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Para além do fim do Hotel de Turismo

Editorial

O Hotel de Turismo da Guarda encerrou há mais de ano e meio. O negócio feito entre a Câmara da Guarda e o Turismo de Portugal foi um erro de gestão do executivo municipal da Guarda, que vendeu um património extraordinário por três milhões e meio de euros. O Hotel de Turismo era (e ainda é, pese embora o abandono a que foi votado) um dos melhores edifícios da Guarda. Uma referência da arquitetura nacional projetado por Vasco Regaleira, seguindo o guião de Raul Lino – o projeto nasceu nos anos trinta (começou a esboçar-se, após a exposição itinerante do Concurso do Hotel Modelo, lançado em 1933 pela revista Notícias Ilustradas com o apoio do Comissariado de Turismo, no período mais dinâmico do Estado Novo) e foi inaugurado, com pompa e circunstância, em 1947, depois de 14 anos de polémicas e falta de dinheiro.

Chegou a ser um hotel de referência a nível nacional, e inclusive um dos mais caros do país. A classe e a categoria brilharam durante mais de meio século. Até que, no dealbar do milénio, o dia-a-dia do Hotel passou a ser sombrio. Arrastou-se nos últimos anos na escuridão e nebulosidade da gestão camarária, que não teve o engenho e a arte para o resgatar da obscuridade. Enquanto outros fazem da hotelaria um negócio lucrativo, a Câmara da Guarda perdeu dinheiro durante anos e fechou o Hotel deixando dívidas por liquidar.

A Câmara recusou quatro milhões de euros propostos por privados, optando por vender ao Turismo de Portugal por três milhões e meio. Recebeu entretanto metade. Pagou designadamente as indemnizações aos trabalhadores que mandou para a longa fila do desemprego, sem apelo nem agravo (a autarquia, quando vendeu, relativizou o assunto dizendo que uns iam para a reforma, outros iriam trabalhar na câmara e outros logo se via, e não haveria grandes indemnizações a pagar – mas a verdade é que custaram mais de meio milhão de euros). Os privados, que tinham oferecido quatro milhões para comprarem o imponente edifício, assumiam os trabalhadores. Ou seja, à diferença de meio milhão de euros entre a proposta privada e o negócio feito, devemos somar outro tanto pelas indemnizações aos trabalhadores – logo, o mau negócio é por mais de um milhão de euros de diferença. O resto do dinheiro, que o Estado vergonhosamente ainda não pagou (e uma coisa é o negócio ser um ignóbil erro de gestão, outro é que celebrado o contrato, não seja liquidado como previsto), talvez em Fevereiro, vá direitinho para a aquisição do edifício “Bacalhau”, para ser emprestado à Ensiguarda, em mais um negócio espantoso do município.

E, assim repito o que há um mês aqui perguntei: «o edifício, que jaz e apodrece, vai continuar abandonado até ruir? E ninguém é responsabilizado pelo crime de lesa património cometido? Quem decide desta forma não deve ser responsabilizado judicialmente?». Entretanto, como lhe damos conta nesta edição, a Polícia Judiciária também quer destrinçar o novelo e, por isso, está a interrogar todos os que direta ou indiretamente têm alguma coisa a ver com o negócio do Hotel. Temos o direito a saber se há algum fio escondido neste novelo.

Luis Baptista-Martins

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