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Pantani

Marco Pantani, “o pirata” por quem a Itália chorou, deixou-nos na sua partida uma singular e significativa mensagem: “Espero que o meu exemplo sirva para outros desportos. As regras estão bem, mas devem ser igual para todos”. Pantani foi um grande escalador, autor de um punhado de jornadas épicas que ficarão para sempre na história lendária do ciclismo. Ficaram famosos os seus duelos com Indurain na Volta à França. Nos Alpes ou nos Pirinéus, Pantani não dava tréguas a ninguém. Assim que a estrada se volvia mais dura e inclinada, ele arrancava. Com uma forma de correr muito própria, “sprintava” serras acima parecendo uma seta apontada ao céu. Parecia que a qualquer momento o “gás” lhe poderia faltar e que iria cair para o lado exausto. Mas no momento em que era alcançado pelos seus perseguidores, nova arrancada e novo “sprint”, serra acima. E assim sucessivamente até coroar os cimos das altas montanhas.

Pantani acabou a sua carreira de forma inglória. Acusado de tomar substâncias que aumentavam o seu rendimento desportivo viu-se envolto em peripécias nada agradáveis para um atleta. A polícia e os tribunais passaram a fazer parte do seu quotidiano e invadir até a sua intimidade. Mas o que agora interessa, mais do que os erros ou excessos cometidos pelo corredor, ou mesmo as circunstâncias da sua morte (há quem aponte para o suicídio e outros para a ingestão de drogas) é a frase com que Pantani se despediu de nós. Ela vem pôr o dedo na ferida em relação ao doping e à verdade desportiva. E se Pantani não era mais do que a ponta de um iceberg? Que valor poderemos atribuir a um sem número de feitos desportivos dos anos 80/90, ou mesmo actuais, se cada vez há mais descobertas de utilização no desporto de substâncias que fazem aumentar o rendimento desportivo de forma artificial? O facto é tanto mais preocupante quando pensamos nos tremendos desenvolvimentos tecnológicos dos últimos anos. Só para exemplo, imaginem os leitores que alguém sem escrúpulos se consegue apropriar das técnicas de manipulação genética que a ciência já hoje domina. Como decifrar então a verdade ou não dos resultados? Será uma tarefa quase impossível. No caso do “doping genético” a produção de substâncias “dopantes” pode ser feita a partir do próprio organismo. Como identificar então o que é o resultado da natureza e o que é resultado da acção do homem sobre a mesma? Tudo muito difícil. Poderá estar próximo o final do princípio que define os recordes e as grandes performances desportivas como a marca indelével da evolução do Homem no tempo. As palavras de Pantani dão que pensar.

Por: Fernando Badana

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