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País à beira-mar plantado

Vi com atenção o “Prós e Contras” da semana passada, incluindo o comic relief proporcionado pelas vacas jarmelistas. O diagnóstico é assustador: uma densidade populacional 372 vezes inferior à do litoral, 83% menos jovens, um milhão de habitantes perdidos. O envelhecimento, a falta de investimento, a fuga dos jovens e os problemas gerais do país, sentidos aqui mais duramente, só podem conduzir a uma catástrofe. Se pensarmos que os políticos costumam acordar tarde de mais para os problemas, incluindo para os problemas que eles próprios criaram ou agravaram, e considerando que no palco do “Prós e Contras” estavam sobretudo políticos, teremos todos de estar muito preocupados.

Que propõem? Como de costume em Portugal, a solução parece ser atirar dinheiro para cima do problema, ou na forma direta de incentivos à fixação no interior, fiscais ou na forma de subsídios a quem se quiser deslocar para cá, ou na de deslocação de serviços centrais e funcionários públicos, subsidiados ou não. Fala-se também, embora não para já, na diminuição do preço das portagens na A23 e na A25. A ideia geral é conseguir atrair pessoas e empresas para o interior – nem que seja, no caso dos funcionários públicos, à força. (Já esta semana, num contexto mais geral, Rui Rio propunha subsídios de até dez mil euros por cada criança que nasça a partir de agora, para minorar o problema do despovoamento.)

Todos concordarão que é necessário parar a sangria demográfica que afeta o interior e corrigir os desequilíbrios na ocupação do território, com gente a mais numa estreita faixa junto ao mar e gente a menos no resto do país, e falou-se disso abundantemente no debate da televisão.

Do que não se falou é que não basta trazer gente e empresas para aqui, nem que seja pagando-lhes. É preciso também evitar que as empresas e gentes de cá continuem a ir embora – e disso não tratou o “Prós e Contras” nem parece tratar o Movimento pelo Interior. Isto é, o objeto das políticas de correção de assimetrias, de repovoamento, de investimento, não podem ser apenas as empresas e pessoas do litoral, têm de o ser também os que resistiram, os que ainda não foram embora.

Outro assunto sobre o qual ninguém fala é o porquê. Porque chegámos aqui? O que foi feito de errado, por políticos, empresas e cidadãos? O diagnóstico do problema está feito, mas é preciso ir mais fundo. É que se não forem corrigidas as políticas e práticas que levaram a isto, mais tarde ou mais cedo voltaremos ao mesmo. Chegará um dia, por muitos milhões de euros que se gastem, em que as empresas e as pessoas voltarão a ir embora.

Uma explicação possível para o estado a que chegou o interior: desprezo e esquecimento pelo poder central, despejo dos principais recursos da nação naquela estreita faixa junto ao mar, mas também, e agora aqui, má governação, desperdício de recursos endógenos, nepotismo, insuportável visibilidade da corrupção, sentimento de que as cliques vão rodando entre si e distribuindo entre si os poucos recursos disponíveis, descoroçoamento dos que partem porque acham que não vale a pena e desmoralização dos que ficaram e ainda não tiveram coragem de o fazer. E não pensem que somos muito piores, ou apenas piores do que no litoral e que por isso a culpa é, no fundo, nossa: é que, como somos menos, muito menos, as verdadeiras razões dos nossos problemas tornam-se mais evidentes.

Por: António Ferreira

Comentários dos nossos leitores
Jorge Esteves Jesteves.net@sapo.pt
Comentário:
O Nosso Presidente pode começar por desbloquear os processos de construção a pessoas que resolveram viver e construir na província e que por burocracias camarárias se encontram parados na CM da Guarda há anos.
 

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