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Pagar ou Praxar

Ladrar à Caravana

É o novíssimo dilema estudantil universitário neste princípio de ano lectivo. Deixando fora de portas as questões chatas do financiamento das universidades, da conjuntura financeira e de não sei que mais, fica, como alvo dilecto da sua pujança e cagança, o caloiro. Esse “ser abjecto e abaixo de cão” sujeita-se nos próximos tempos a ser o centro das atenções e o saco de pancada onde os “doutores” descarregarão as suas frustrações académicas com e o simpático e humano argumento da “integração”. Já aqui falei sobre o tema (O triunfo dos porcos), mas nunca é demais retomar a questão. No Departamento onde dou aulas, alguns veteranos chegaram a vir pedir-me satisfações. Conversamos. Desafiaram-me para um debate num bar da Covilhã com um elemento da Comissão da Praxe. Aceitei. Que marcassem a data, que eu lá estaria. Até hoje. Diga-se, de passagem, que achei hilariante esta inversão de papéis: eu, o professor, o inimigo, o elemento do sistema, com a função de contestar os argumentos da “tradição académica”, enquanto que o meu oponente, um estudante, um jovem, donde se espera uma atitude de inquietação e contestação ao estabelecido, uma atitude “irreverente” (já está estafada esta palavra…), estaria exactamente a defender teses obscurantistas, a defender a perpetuação do statu quo, em nome dessa tal “tradição académica”. Mas, como disse, até hoje esse debate não aconteceu.

No entanto, acho que a conversa que tive com esses “veteranos” esclareceu algumas questões, e tive a alegria de ver algumas atitudes modificarem-se. Os caloiros passaram a gozar de protecção por parte dos colegas relativamente aos desmandos de alguns caceteiros mais assanhados e foram efectivamente integrados na vida académica. Estão hoje no 3º Ano dos seus cursos e não me parecem piores estudantes ou piores cidadãos por não terem sido humilhados com violações simuladas, ou por se degradarem publicamente cumprindo as instruções dos “doutores”. Soube de situações de excesso, a raiar o sequestro (impedindo os alunos de comparecer às aulas), mas a sua frequência tem diminuído. Esperemos que, com o passar dos anos e com uma progressiva redução destas práticas, a praxe acabe por cair no esquecimento, passando a ser uma memória, uma curiosidade histórica reveladora da barbárie e da grunhice destes tempos pré-pós-industriais.

Agora, em alternativa aos caloiros, há sempre a questão das propinas, que constitui um enorme campo de possibilidades para os estudantes demonstrarem a sua “irreverência”, a sua criatividade, a sua energia. Claro que os estudos ficarão sempre em último lugar nas prioridades, mas também isso faz parte da “tradição”.

Por: Jorge Bacelar

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