O tempo, o atmosférico, marca indubitavelmente o “cinzentismo” das nossas vidas.
É o clima que condiciona o modo de sermos e de estarmos, e, sobretudo, de fazermos. Por enquanto, andamos sem calor e sem incêndios. Livramo-nos assim desse drama terrível que, em política, serve basicamente para trocas recíprocas de acusações e de responsabilizações. Tínhamos na agenda um Verão que se esperava apimentado pelo Mundial de futebol, com o país a festejar cada golo e a mandar às urtigas todos os graves problemas que afetam os portugueses. Em vez disso, temos um Verão meio enevoado em que o Governo aparenta paz e tranquilidade, sabendo que a maioria dos portugueses só pensa nas férias e está a léguas da discussão orçamental que se aproxima.
António Costa, livre de incêndios e terramotos, só tem de se preocupar com o facto de não ter acautelado o necessário reforço de pessoal no âmbito da reintrodução das 35 horas no SNS. Mas como nesta questão quem o critica até já não votava nele, António Costa parece não ter perdido o sono e vive pacatamente um dia de cada vez, imerso na demagogia habitual
A oposição, que é uma coisa que, às vezes, não se percebe muito bem o que é e que noutras parece ser a encarnação das preces do primeiro-ministro, abanica-se, suspira por banhos na praia dos tomates e dedica o tempo livre a dar tiros nos pés, com algumas das suas conhecidas figuras a anunciarem a intenção de formar novos partidos e outras a acusarem o partido irmão de só pensar em dormir com o inimigo.
Para dar um ar mais esquizoide à coisa, a primeira figura da nação abana-se aos pulos no concerto dos Xutos e Pontapés, ainda que notoriamente enredada no tédio que abate a República. Só mesmo o convite de um ex-presidente da dita para que meio mundo se ponha agora a fazer meninos promete abanão maior e de cima abaixo. Falamos de alguém que, quando foi primeiro-ministro, a única coisa que abanou mesmo foram as buzinas dos carros na ponte 25 de Abril e os fundos comunitários, permitindo que dinheiro que deveria ter ido para a educação e qualificação dos portugueses fosse desviado para o novo-riquismo, os amigos do BPN e as novéis parcerias público-privadas. O conselho para a procriação patriótica fez-me lembrar Maria Antonieta a recomendar ao povo de Paris que comesse brioches para matar a fome, uma vez que não havia pão…
No meio de tudo isto, se dúvidas houvesse, o povo só quer festas. De Norte a Sul, milhares e milhares de euros de impostos são estoirados em festas. O dinheiro que é gasto em cada festa municipal daria bem para financiar uns bons dez projetos relevantes de gestão de biomassa florestal combustível, a tal que ajuda a propagar os incêndios.
De facto, num país com uma dívida pública de mais de 250 mil milhões de euros e que gasta mais nos respetivos juros do que todo o dinheiro destinado à Saúde, o Estado, as autarquias, e um certo povinho, acham que os proprietários é que devem limpar os terrenos e que os impostos devem servir para contratar a Rosinha, o Quim Barreiros, o Herman José e o Toy. Claro que se houver outra tragédia e arder o pouco que resta, é o mesmo povo quem se vai atirar ao governo como cão a bofes e acusá-lo de ter gasto o dinheiro aonde não devia. Os autarcas, esses, esfregam as mãos de contentes, porque já perceberam que a culpa que não os atinge é como a pimenta nas partes mais íntimas dos outros é refresco.
Não sei se ainda é costume, mas há uns anos chamavam a tudo isto a “silly season”. Recordo-me que depois acontecia qualquer coisa mais séria e voltava tudo ao normal. Um dia destes vem aí uma guerra, ou o BCE deixa de reestruturar encapotadamente a nossa dívida pública e os juros disparam, ou a UE dá um estoiro por causa das migrações, ou coisa do género. Acaba-se logo a “silly season” e recomeça a rotina, a caminho do tal orçamento. De preferência, sem pontapés. Mas com fornicação garantida à mistura. Política, claro…
Por: Jorge Noutel