Os militares em protesto queixam-se do Governo porque este, ao acabar com os múltiplos regimes especiais de segurança social e de assistência na doença, que atribuíam privilégios de vários tipos a algumas classes profissionais – todos pagos com dinheiro dos impostos – decidiu não deixar de fora os membros das Forças Armadas e as suas famílias. Como não deixou de fora os jornalistas, por exemplo, também eles beneficiários, até agora, de condições bem mais favoráveis do que a generalidade dos cidadãos.
Esta tentativa de uniformizar um pouco o sistema, de modo a eliminar tratamentos de luxo em sectores sociais com mais força reivindicativa, ou que, por outros motivos quaisquer, lograram a ‘conquista’ de um regime especial, é uma das medidas mais igualitárias de um Governo suspeito de não ser socialista. Claro que melhor seria não só o Executivo manter os actuais privilégios de alguns, mas passar a concedê-los a todos. Só que toda a gente sabe, começando pelos militares – e, já agora, pelos jornalistas – que o país abastado e com condições para proceder desse modo infelizmente não existe. Daí que os tais privilégios para certas classes ofendam o princípio da igualdade de tratamento, por parte do Estado, em relação àquelas que os não possuem.
Numa época em que a todos são impostos sacrifícios, os militares, até por força da sua formação, deviam ser os primeiros a aceitá-los sem reserva. Em vez disso, há grupos que desenvolvem uma guerrilha absurda e ridícula há mais de um ano, com manifestações disfarçadas de passeios para não ficarem sob a alçada da lei – uma atitude em tudo contrária ao bom princípio militar de assumir os riscos e enfrentar as consequências. Não se inibem de ignorar as hierarquias, de ofender o dever de disciplina, de desprezar a própria lei e até – ao que parece – as suas associações profissionais. Dir-se-ia que voltámos a 1975 e que estão de regresso os SUV (uma organização esquerdista que subvertia a ordem nos quartéis), mas agora enquanto reformados. Ora, tal como já se escreveu aqui sobre os polícias, quanto mais manifestações promovem, mais os militares se despromovem perante a sociedade. E isso não é bom para ninguém – nem para as Forças Armadas, nem para a sociedade.
A carrinha dos afectos
Não é a primeira vez que se ouve falar de Mértola a propósito de prémios de excelência – e não só pelo extraordinário trabalho de Claúdio Torres (Prémio Pessoa 91) enquanto primeiro responsável pelo campo arqueológico. Há uns anos, a C+S de Mértola foi declarada pela OCDE “estabelecimento escolar exemplar a nível mundial”, num grupo de 24 escolas de cidades tão diferentes da pequena e bela vila de Mértola como Helsínquia, Tóquio ou Melbourne.
De um dos concelhos mais votados ao abandono e ao esquecimento, é extraordinário que cheguem com esta frequência notícias de pessoas, realidades e iniciativas exemplares. Todos sabemos que a necessidade aguça o engenho, mas isso não só não desmerece, como valoriza ainda mais o trabalho dos responsáveis por essas iniciativas. É o caso da carrinha que percorre aldeias e montes ao encontro dos velhos que os habitam, para lhes dar assistência médica e um pouco de atenção. Chega a cada uma das localidades uma vez por mês, resolve pequenos achaques, rastreia doenças mais graves e, acima de tudo, leva um pouco de humanidade a quem dela precisa e já desesperou de a encontrar.
Esse mini-consultório ambulante para todas as especialidades, em particular para os males da solidão, é uma invenção da Câmara Municipal dirigida por Jorge Pulido Valente e responde pelo nome de unidade médico-social. A autarquia decidiu candidatar o projecto a um prémio de ‘boas práticas’ instituído pela ONU. E o resultado aí está: foi a primeira candidatura portuguesa a chegar à última fase de escolha, com outras 47 finalistas de todo o mundo.
Num país onde tanta gente e tantas instituições com orçamentos de milhões se queixam da falta de meios, a carrinha de Mértola dá que pensar. Há quem tenha muito pouco mas conheça a arte de fazer escolhas acertadas e perceba o que é essencial. Para os velhos e os pobres do concelho – condições que, por todo o Alentejo, em geral se acumulam – a unidade médico-social é um milagre acontecido. Infelizmente não ganhou o prémio da ONU, o qual, sendo em dinheiro ( menos de 2500 euros…), teria a grande utilidade de permitir melhorar o serviço. E como? Isabel Soares, responsável pela carrinha dos afectos, explica na TSF: poderíamos, por exemplo, passar a visitar os habitantes mais necessitados das aldeias e dos montes de Mértola não uma, mas… duas vezes por mês. Tão pouco. E tanto.
Por: Fernando Madrinha