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Os Ratos

Os ratos são os primeiros a fugir quando o barco vai ao fundo. Não é que estejam errados, já que apenas obedecem às regras da sua natureza. Quando a questão é de sobrevivência há que sobreviver, nem que seja, e normalmente é, à custa dos outros. Com os ratos, então, não há pais, mães, irmãos ou irmãs que contem: se o barco se afunda o problema é dos que ficam para trás, dos que tropeçam na rampa de saída e servem de passadiço aos mais rápidos e desembaraçados. “Salve-se quem puder!”

Esses momentos, os da exacerbação dos egoísmos, são de fugir. É a hora dos predadores, dos que podem, e a justiça esconde-se, impotente. É a hora também da desagregação do cimento que transforma milhões de egoísmos naquilo a que chamamos “sociedade”.

Dizem então esses, os predadores: “nós vamos continuar a comer e, se não chegar para todos, iremos comer a vossa ração”. É o tempo dos mais fortes, dos que transportam as armas, dos que podem.

Sabemos que a comida não chega para todos. Há duas soluções: ou comemos todos um pouco menos, ou há alguns que continuam a comer o mesmo e outros que não vão comer de todo. “No meu quintal não”, “os meus privilégios, os meus direitos, não podem ser tocados”.

Há algo de muito feio nisto tudo. Sabemos todos que o que produzimos agora não chega para a despesa de todos. Uma solução para isto seria abdicarmos todos de alguma coisa, dividindo democraticamente os sacrifícios e tentarmos também todos, em conjunto, encontrar a saída.

Pelos vistos optámos pela solução dos ratos e atropelamo-nos no passadiço para os barcos salva-vidas. Nos Açores, por exemplo, decidiu-se por um subsídio extraordinário para compensar os funcionários públicos da região pela perda de poder de compra originada pelas recentes medidas de austeridade. Diz Carlos César que os pagamentos extraordinários que se propõe fazer não serão à custa do Orçamento Geral do Estado, que há receitas próprias da região suficientes para isso. É o mesmo que dizer que os objectivos pretendidos pelo governo do país vão ter de ser de ser atingidos à custa de outros contribuintes, que não os da região. Estes ratos têm outras prioridades e procuram a aplicação de outras, de outra regra: a sua sobrevivência, a prevalê3ncia dos próprios egoísmos à custa dos outros.

É por isto, por atitudes como esta que temos de começar a habituar-nos à ideia de que falimos como nação: o barco está a afundar-se, há poucas maneiras de evitar ir ao fundo mas há ratos que descobriram já a sua própria saída – e esta é á custa dos outros, que servem de passadeira no caminho para a fuga.

Por: António Ferreira

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