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Os Preços do Petróleo, a Escassez de Bens de Primeira Necessidade e a Fome em Portugal e no Mundo

– Uma breve reflexão

A subida em flecha dos preços do barril petróleo (Brent de Londres, ou Brown de Nova York, etc), já na casa dos 115 dólares USA, fizeram com que todos os derivados de petróleo – gasolina, gásoleo, fuel-oil, GPL, … – e sucedâneos – carvão, gás natural, electricidade, lenha, … – subissem também segundo trajectórias paralelas ou ligeiramente menores que as daquele;

Os preços dos produtos energéticos que são usados pelas máquinas para a produção de bens manufacturados e dos tractores e outras alfaias agrícolas, bem como pelos sistemas de transporte destes bens para os mercados (camiões, comboios), vieram também acrescidos e os preços finais desses bens, mesmo sem qualquer escassez no mercado, têm tendência a subir já que os preços dos seus inputs ou custos de produção, subiram também;

Os bens chamados matérias-primas subiram igualmente porque é necessário agricultá-los, colhê-los, transformá-los e transportá-los para os mercados e todas estas operações consomem energia cada vez mais cara;

Pelos mesmos motivos os preços dos bens de primeira necessidade como o leite e os cereais – milho arroz, trigo, cevada, soja, e seus derivados (farinhas, por exemplo), entre outros – foram também contagiados e subiram enormemente;

A escassez destes bens no mercado, decorrente da elevação dos preços dos produtos energéticos, e os preços quase proibitivos a que são transaccionados esses escassos bens, vieram lembrar às empresas que há aqui novas oportunidades de negócio, muito rentáveis, ligadas à produção de bens energéticos com preços mais competitivos e com poder calorífico ou potência equivalente;

O interesse nas várias energias renováveis – como a eólica, a solar e outras, sobretudo a primeira –, por via disso, e também dos apoios maciços atribuídos pelos governos centrais, aumentou e o seu peso no balanço energético é já bem visível,

Este facto fez com que se começasse (ou recomeçasse) a pensar e a investir em novas tecnologias e em novos produtos energéticos derivados dos produtos agrícolas, como os bio-combustíveis (bio-diesel, etanol, por exemplo) passíveis de utilização com fins energéticos (25% do milho produzido pelos EUA é já usado na produção de bio-combustíveis e parte substancial da cana de açúcar do Brasil já tem o mesmo destino, para só referir dois exemplos dos muitos já espalhados por esse mundo fora);

Mas sendo a oferta de terreno arável de qualidade relativamente escassa, a sua utilização para a produção de bens agro-energéticos tem como reflexo que cereais como o arroz, o trigo, o milho, a soja e o centeio, bem como as pastagens que os animais comem para a produção de leite, deixam de ser produzidos, ou vêm as suas produções reduzir-se substancialmente ou ainda vêm-se deslocados, não para a produção alimentar (como o milho), mas para a produção dos bio-combustíveis, e por isso os destinados à alimentação passam a escassear no mercado;

O crescente consumo de uma classe média já com forte poder de compra na China e também na Índia é mais outro elemento a pressionar a procura dos bens de primeira necessidades;

E a lei da oferta e da procura faz com que quando o bem escasseia o seu preço suba por força dessa escassez; a este facto há que acrescentar, também, de alguma especulação e até de algum açambarcamento;

Assim se explica a escassez no mercado desses bens de primeira necessidade, ou dos que são usados na sua confecção como é o caso do trigo, até do milho para o fabrico do pão, do leite, das massas alimentícias, do arroz, …

Nesta ordem de ideias o mercado vai levar algum tempo a reorganizar-se e adequar a oferta destes bens no mercado, e o espectro da sua escassez paira sobre os países mais frágeis e as cabeças das pessoas mais necessitadas;

Naturalmente que os mais atingidos por esta escassez de produtos de primeira necessidade e pela enorme elevação dos seus preços são os países mais pobres, sem ouro nem divisas para custear aqueles bens, os habitantes das classes mais baixas (vulgo pobres), os desempregados e até os novos pobres que se deixaram entalar por situações de sobreendividamento motivada pela simultânea elevação das taxas de juro.

Destinando uma fatia enorme de recursos para pagar quase dois terços do que consome, designadamente produtos alimentares, Portugal está na linha da frente dos países que mais está a sofrer com a elevação dos preços internacionais e a escassez dos bens de primeira necessidade no mercado;

O espectro da fome paira assim sobre a cabeça dos mais necessitados incluindo de muitos portugueses (com muita gente a viver abaixo do limiar de pobreza e com esquemas de apoio social muito deficientes), europeus, e de todo o mundo;

Nesta ordem de ideias como minorar a curto prazo ou no imediato, a situação destes seres humanos, designadamente os portugueses?

– Alertando as autoridades para a necessidade de redobrarem os apoios aos mais carenciados;

– Pedindo aos governos para elaborarem legislação e criarem pacotes especiais de apoio social para atender aos casos mais prementes;

– Pedindo aos governos para deixarem de apoiar a produção de produtos energéticos a partir de produtos agrícolas para que a produção agrícola se volte a orientar para a produção de bens alimentares, designadamente de primeira necessidade;

– Intensificando peditórios para recolha de alimentos (sobretudo) roupas, e outras ofertas (via Banco Alimentar contra a Fome e outros);

– Distribuindo bens de primeira necessidade aos mais necessitados e com manifesta escassez de recursos financeiros e alimentares

– Apostando na vigilância como forma de detecção precoce de casos de pobreza de muita gravidade;

– Alertando as autoridades civis e militares, os serviços de segurança social e muitos outros, incluindo as ONGs e outras associações com intervenção neste âmbito, para redobrarem de atenção designadamente naqueles casos mais graves e já inventariados;

– Facultando programas específicos simplificados de apoio a que os habituais intervenientes – Caritas, Associações sem fins lucrativos e tantos outros – se possam candidatar para rapidamente prepararem programas de apoio dirigidos aos mais pobres;

– Criando programas de formação (remunerada) e ocupação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração

– Apoiando os jovens e desempregados a apoiar a criação do próprio emprego concedendo-lhes subsídios e micro-créditos que estes pagariam à medida que o negócio fosse libertando meios financeiros

– Seguindo de perto as recomendações do Banco Mundial, da Comissão Europeia, dos médicos sem fronteiras e outras ONG e de outras organizações com vista a minorar ou eliminar as bolsas de pobreza em Portugal e no mundo.

– …

Covilhã, 2008/05/02

José R. Pires Manso,

Prof. Catedrático e Responsável do Observatório para o

Desenvolvimento Económico e Social

Universidade da Beira Interior

Sobre o autor

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