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«Os politécnicos do interior vão ter pouco mais de 50 por cento dos alunos atuais dentro de dois anos»

Constantino Rei acredita que a estratégia do atual Governo é «de clara desvalorização e de menorização» do ensino superior politécnico. Chumbada a proposta de fusão/integração na UBI, o presidente do IPG considera que alguns Institutos do interior estão condenados a encerrar, enquanto as Universidades «nunca deixarão de ser universidadezinhas».

P – Quais as implicações do chumbo do Governo à fusão/união do IPG com a UBI?

R – O que mais me surpreendeu foi que, passados três meses, depois de se anunciar a intenção de fazer uma reforma dizendo claramente que têm que ser equacionadas todas as possibilidades, incluindo a integração ou fusão de instituições, nomeadamente entre subsistemas, vem dizer-se que é de evitar a integração dos Politécnicos em ambiente universitário. A priori, o presidente do Politécnico tem uma obrigação acrescida de pensar a estratégia da instituição a médio e longo prazo. No cenário atual, alguns dos politécnicos do interior estão condenados a encerrar e outros a serem integrados quando já não houver nada para gerir. Infelizmente, também as universidades do interior nunca deixarão de ser universidadezinhas, sem grande capacidade de intervenção. Isto é o que pode vir a acontecer se nada for feito. Estou mais convencido do que nunca que seria o caminho mais adequado porque está claro – inclusivamente com este episódio das “meias licenciaturas” – que a estratégia deste Governo é de clara desvalorização e de menorização do ensino superior politécnico e não vale a pena perder tempo. Por outro lado, também fico aliviado porque se houvesse abertura teríamos um longo e duro caminho em termos de negociações e da discussão interna desta fusão/integração. Isso consumiria muito tempo durante os próximos anos e teria algumas consequências. Portanto, no curto prazo, devo orientar a minha ação e capacidades para encontrar os caminhos possíveis no seio da autonomia e da diferenciação entre universidades e politécnicos.

P – Quais são as alternativas?

R – Não acredito nalgumas das alternativas apontadas pelo secretário de Estado, nomeadamente os chamados consórcios. Primeiro, porque a sua criação não está legislada e isso ainda vai demorar algum tempo. Depois, porque os consórcios são acordos e dependem da vontade das pessoas. Mas o IPG e a UBI já partilham recursos humanos e têm projetos de investigação conjuntos, portanto para essas colaborações basta que haja vontade entre as pessoas. Se não houver, não adianta haver acordos porque não têm qualquer efeito. Já os consórcios entre politécnicos são pior ainda no nosso caso, pois associar a Guarda a Castelo Branco esquecendo a UBI é um erro tremendo. Será preferível virarmo-nos para Viseu, por estar mais próximo, e então o foco deveria ser outro. Também não acredito na criação de uma estrutura de coordenação regional ao nível das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento. A estratégia tem que ser nacional e tem que haver uma coordenação nacional, pois o futuro do ensino superior não pode ser analisado só numa perspetiva regional.

P – Perante esta realidade, como vê o futuro do IPG?

R – Fica numa situação fragilizada, tal como todos os politécnicos do interior. Este não é um problema da Guarda, há politécnicos em situações mais complicadas e perigosas que a nossa. A questão é que não podemos assistir impávidos e serenos ao degradar desta situação. Claro que muitas soluções não dependem de nós e o que mais me amargura é sentir que, por mais que me esforce, tudo o que possa fazer dificilmente inverterá esta tendência de degradação dos politécnicos do interior. Não duvido que isso venha a acontecer, não por falta de qualidade dos docentes, dos seus recursos e organização, mas por uma evolução quase natural e por não haver coragem de fazer uma reorganização a nível nacional, de mexer nos grandes centros urbanos e de tomar medidas de desenvolvimento que potenciem a coesão territorial.

P – Defenderia a majoração das instituições que estão no interior?

R – Em termos dos alunos, provavelmente a medida mais eficaz seria já não reduzir vagas, mas ajustar a oferta e a procura. Não é aceitável que o país tenha num ano 52 mil vagas para 40 mil candidatos. A procura diminuiu, mas a oferta continua a mesma e é isto que está mal. Tudo porque as instituições dos grandes centros urbanos também não querem prescindir disto, pois o financiamento está dependente do número de alunos.

P – Perante este chumbo foi necessário redefinir os objetivos par ao futuro do IPG. Quais são?

R – Teremos que encontrar soluções para estancar a redução do número de alunos porque é determinante e afeta tudo o resto. As chamadas “meias licenciaturas” poderiam ajudar mas não acrescentam nada de novo aos Cursos de Especialização Tecnológica (CET). Temos que continuar a apostar nas formações profissionais curtas, só que isso não vai resolver o problema de fundo. Vamos perder mais cursos, pois alguns estão no limiar da sustentabilidade e terão que encerrar, o que significa que teremos que encontrar outra formação mais atrativa. Neste momento estamos a fazer um levantamento das novas licenciaturas que poderemos proporcionar e como as exigências da Agência de Avaliação e Acreditação para aprovar cursos são muito maiores, só poderemos apostar numa área para a qual tenhamos competências. Caso contrário a proposta vai cair por terra. As bolsas de mobilidade também podem ser um contributo mas só por si não resolvem o problema, até porque nunca serão possíveis antes de 2015-2016. O secretário de Estado aponta que sejam financiadas pelos fundos comunitários, através das Comissões de Coordenação, ou pelos governos locais – que suponho serem as autarquias. Pelos vistos, a tutela quer que as autarquias paguem a medida que criou, eu não acredito. Por isso, temos que encontrar, em conjunto com as empresas, as autarquias e as entidades locais, a possibilidade de montar um programa financeiro que incentive a captação de novos alunos, de outras regiões, mas também e sobretudo que apoie quem vive cá para evitar que saia porque quando saírem nunca mais regressam.

P – Está otimista então?

R – Não. Não tenho dúvidas que a situação se vai agravar nos politécnicos e nas universidades do interior porque não há políticas demográficas para sustentar este esvaziamento da região, como também não há políticas educativas que beneficiem as instituições. Trabalhei numa possível solução que achei que seria boa, esgotada essa solução temos que encontrar outras, independentemente de acharmos que vai resultar ou não. A questão é que o realismo aponta – mas desejo estar muito enganado – para que os politécnicos do interior tenham, dentro de dois anos, pouco mais de 50 por cento dos alunos atuais.

P – Na abertura do ano académico afirmou que não se vai recandidatar. Mantém a decisão? A que se deve esta posição?

R – Ainda é cedo para decidir, mas, objetivamente, o que disse é que era o último discurso do mandato e isso é verdade. Claro que essa leitura poderá fazer-se e a intenção provavelmente também era essa. O que disse na altura foi que se nada fizermos de diferente eu não continuo disponível para assistir, impávido e sereno, ao definhar da instituição. Neste momento sinto-me de alguma forma tranquilo porque fiz aquilo em que acreditava. A responsabilidade da decisão final não é minha nem do IPG e há outras vias que não serão tão eficazes e vão prejudicar-nos, mas temos que trabalhar. Tenho sentido muitas manifestações para me recandidatar e quando chegar a altura decidirei, neste momento não tenho uma decisão formada porque há assuntos que ainda podem condicioná-la.

P – Das quatro escolas superiores que constituem o IPG qual é a que tem mais potencial de crescimento e a que tem mais dificuldades?

R – A situação da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) é a que está a ameaçar algum dramatismo. Esta é a realidade, sobretudo por causa das engenharias. Algumas das áreas da Gestão ainda se estão a aguentar, mas temos cursos, como Contabilidade, que não ficaria surpreendido se o Governo o encerrasse eventualmente já no próximo ano face aos números que tem registado. Tenho dito que o pior instrumento de política educativa é o despacho anual de vagas do secretário de Estado, é esse que vai liquidar os politécnicos do interior porque, ano após ano, obriga ao encerramento de mais dois ou três cursos. Numa simulação que fiz demonstrei que, sem grandes alterações nesse despacho, a ESTG, que tem nove cursos, pode ter apenas três dentro de dois/três anos. Isto sim é dramático. Mas todo este processo também acordou algumas consciências e mostrou o que é possível fazer. O curso de Engenharia Civil tinha dois novos alunos inscritos em novembro, quando lançámos a discussão, atualmente tem 12 porque alguns professores saíram dos seus gabinetes e foram à procura de alunos que tinham abandonado e de outros que tinham concluído os CET e não se inscreveram, e incentivaram-nos. Nalguns casos até os apoiaram no pagamento das propinas ao prescindirem a favor desses alunos das verbas a que tinham direito por atividades de prestação de serviços ao exterior. E a verdade é que se o despacho de vagas deste ano for aplicado tal como no ano passado nós vamos manter o curso. Se isto não tivesse sido feito – e é um exemplo que gostaria de ver repetido noutras áreas – era praticamente garantido que Engenharia Civil acabava neste ano letivo. Felizmente que ainda há pessoas preocupadas e que estão dispostas a lutar pelo IPG e pela sua escola, assim sendo eu estarei cá para ajudar.

P – Qual a sua posição sobre o estado de espírito da comunidade interna e externa ao IPG? Sente que há, ou não, um cordão à volta do Instituto?

R – Estes últimos meses acabaram por funcionar positivamente, sobretudo nessa consciencialização da comunidade relativamente ao que está em causa. Abriu-se um debate que para muitos era tabu e foi curioso perceber que quem andou a defender a integração na UBI durante muitos anos agora já a não defende, não sei se por interesses particulares ou se por acreditarem que ainda é possível o IPG sobreviver sozinho. De resto, acho que também ficou claro que o Politécnico está preocupado com a cidade e com a região, está vivo e assim quer continuar, isso ajudou a criar um maior espírito de ajuda e de união entre a comunidade interna e externa. O esforço de alguns professores de Engenharia Civil é o resultado dessa união e de algum dramatismo, pois além de garantirem, provavelmente, mais um ano da licenciatura também conseguiram uma turma de 29 alunos para o CET de Condução de Obra. Se metade desses concorrerem para a licenciatura podemos garantir mais alguns anos de Engenharia Civil no IPG. Claro que haverá sempre pessoas que acham que o melhor é fechar e não abdicam do seu dinheiro. Mas, felizmente, há muita gente no IPG que não partilha desse entendimento e tem vontade de trabalhar, de lutar e de me ajudar e se eu me convencer que esse trabalho coletivo pode produzir alguns frutos – os tais nichos de mercado que, não resolvendo o problema, permitem-nos garantir a sustentabilidade do Instituto – também estarei disponível para contribuir e trabalhar pelo IPG.

P – Qual é o impacto do IPG na região, tendo em conta que reduzindo-se o número de alunos, mais tarde ou mais cedo terá que se reduzir também o número de profissionais da instituição?

R – O impacto financeiro direto do Politécnico na região, medido em ano de crise (2011) e não em anos anteriores, foi cerca de 30 milhões de euros. É um valor que, em termos do PIB da região da população ativa, é muito elevado. É um impacto muito significativo na economia local e os efeitos indiretos de despedimentos ou do encerramento serão muito mais devastadores que os diretos.

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