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Os pirilampos

Saliências

O fogo, as culpas múltiplas, as inúmeras acusações, a falta de lógica, os discursos aos solavancos e os pirilampos. São todos os que se querem fazer ouvir, todos os que têm opinião, todos os que brilham na TV. Uns dizem dos outros, outros falam de uns e lá se iluminam uns aos outros. Há debates sobre o fogo, há palestras incendiadas, gente carregada de saberes, especialistas do tudo e do nada. Agora não são só as grávidas que dão à luz. Hoje dão luz os políticos, os cientistas, os cientistas políticos e outros híbridos luminosos. Os pirilampos estão entre os militares, entre os bombeiros e envolvem todas as temáticas ligadas ao fogo, às naves aéreas, aos cultivos, aos sobreiros e ao Verão. Estão na meteorologia, na protecção civil, no Governo, nas Câmaras Municipais. Estamos rodeados de pirilampos e por isso somos um país luminoso. Gosto sobretudo da culpa espalhada a rodos. Aprecio a forma como se apontam e se acusam. Espalham névoa sobre o brilho dos outros.

Entretanto Portugal arde, com ondas enormes, com labaredas que rasgam casas, abrem sobreiros e oliveiras, consomem sonhos e vidas. O drama maior da queimada é que depois dela passeiam no terreno os primeiros animais, nascem novas plantas e a vida retoma-se como se nada existisse antes. Só os homens têm memória do fogo de 92. Os javalis pastam impávidos, os cães alçam as patas convertidos, e as flores abrem-se na Primavera onde tudo era cinza e agora é cor. É este o mal dos pirilampos, a vida continua sempre de modo diferente, mas regressa restaurando os rios poluídos, florestando as áreas ardidas e esquecendo os comentários brilhantes da TV.

Por: Diogo Cabrita

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