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Os patrioteiros – O sargento e a pianista

«Com todo o seu prestígio internacional, certamente que Maria João Pires se considerava credora de uma carta branca. Mas em tempo de vacas magras, faltam sempre umas teclas no piano das nossas ambições… Como pianista será sempre grande. Mas já como menina mimada, desregrada nas palavras, só merecerá um triste olhar de soslaio. Talvez agora, em terras de António Carlos Jobim, aprenda o moderado requinte d’o ‘Samba de uma nota só’!»

“Vim para o Brasil para me salvar dos malefícios que Portugal me fazia”, afirmou Maria João Pires, acrescentando ter sido “vítima de uma verdadeira tortura”. Fiquei boquiaberto. Já Saramago, desdenhando Portugal, tinha fugido da inquisição para Espanha, onde verdadeiramente entendiam o seu génio. Mas se sobrevivemos ao exílio cultural do Nobel da Literatura, estou certo que iremos sobreviver à saída da pianista, mesmo que, como sublinhou, continuar “sem gostar de Portugal”.

Maria João Pires, antes do Brasil ameaçou ir para Espanha. Dentro de uns tempos estará zangada com o Brasil e ameaçará sair para qualquer outro lado. Quem sabe, para Portugal, se o cheque estiver à altura das suas ambições.

Belgais é um projecto bonito. Certamente, a merecer aplausos. Mas conta-me quem sabe – e sabe bem – que era um projecto com o passo maior que a perna em termos financeiros. Uma estrutura pesada, dada a caprichos, em que os louváveis critérios culturais não eram compatíveis com uma gestão empresarial. Talvez por isso, o dinheiro estivesse sempre curto para tais ambições. Houve um esforço do Estado, houve um esforço de autarquias (sobretudo de Castelo Branco) e houve um esforço de privados. Mas quando estes questionaram determinados gastos, quebrou-se o verniz…

Com todo o seu prestígio internacional, certamente que Maria João Pires se considerava credora de uma carta branca. Mas em tempo de vacas magras, faltam sempre umas teclas no piano das nossas ambições… Como pianista será sempre grande. Mas já como menina mimada, desregrada nas palavras, só merecerá um triste olhar de soslaio. Talvez agora, em terras de António Carlos Jobim, aprenda o moderado requinte d’o ‘Samba de uma nota só’!

Não tenho nada contra os portugueses que procuram no estrangeiro soluções para progredirem nas suas carreiras. Figo, Damásio, Eduardo Lourenço, … a diferença é que estes perseguem o caminho da perfeição e continuam a amar Portugal. Há outros que seguem no caminho do rancor e odeiam tudo e todos.

É aqui que se distinguem os patriotas dos patrioteiros: para uns é o lugar, a língua, a cultura, para outros é apenas a conta do banco.

Por exemplo, Scolari encontrou aqui a sua pátria. Pagam-lhe bem sem lhe exigirem muito (mais uns extras, como conferências a quatro mil contos nos CTT) . Até já canta metade do hino nacional. Tem Portugal no coração (ao lado da carteira). Esteve quase a aprender o hino inglês e a mudar o seu coração na medida em que a carteira recebesse liras em vez de euros. Mas continua a ser um patrioteiro – todos os meses.

O ‘sargentão’ fica. Maria João vai. Está equilibrada a balança de pagamentos com o Brasil.

Nota de agradecimento: A semana passada escrevi uma Carta Aberta à Governadora Civil de Castelo Branco denunciando as “más práticas” de quem devia honrar o lugar que ocupa. Quero agradecer todas as mensagens de incentivo e amizade. Agradecer também aos meios de comunicação, livres e independentes, que tiveram a coragem de a publicar, como é o caso d’ O Interior.

Por: João Morgado

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