Arquivo

Os papões estão bem vivos e do lado do capital

Crónica Política

É recorrente assistirmos ao discurso que os portugueses vivem acima das suas possibilidades, no entanto, os fazedores de opinião pagos a “peso de ouro” omitem, por opção ideológica, os cortes do subsídio de desemprego a que foram sujeitos os desempregados, os jovens à procura do primeiro emprego e, sem qualquer apoio social, muitos deles vivem da efetiva solidariedade familiar e não outra; os trabalhadores que perderam os postos de trabalho com o encerramento das empresas e que continuam há anos a aguardar o pagamento dos créditos que lhes são devidos (salários em atraso e indemnizações); os que se encontram com salários em atraso e sujeitos à “lay-off”; os das empresas em perigo de encerramento.

O desemprego é um flagelo que afeta uma grande parte das famílias. Mais do que constatar é preciso agir. Identificando os problemas, apresentando soluções, mobilizando os desempregados. Efetivamente, está nas nossas mãos encontrar outro caminho com outras soluções. O alienar da nossa soberania a um projeto ideológico submetido aos superiores interesses da agiotagem financeira internacional, o chamado «mercado», cujos interesses impuseram por via do desemprego, do corte dos salários na administração pública e da redução das funções sociais do Estado uma gravosa regressão social como não há memória na nossa histórica contemporânea. Agora, acrescem as alterações profundas e gravosas do Código de Trabalho que imprimem os mesmos cortes e, em última instância, destroem mais uma conquista do 25 de Abril, a negociação coletiva.

Começará um novo ano escolar, uma vez mais os filhos dos trabalhadores sofrem as consequências dos cortes na Educação. O aumento do número de alunos por turma, o encerramento de escolas, a limitação nos apoios aos alunos com necessidades educativas especiais, a aquisição dos manuais escolares e outros materiais didáticos, transformou-se num drama para as famílias. É bom relembrar que a ação social escolar é escassa e, mais uma vez, é injusta decorrente da política fiscal que perdura ao longo dos anos. As limitações estendem-se às ofertas curriculares reduzidas, ao ensino da música na escola pública – aqui mais uma opção ideológica dos sucessivos governos. Ainda há mais, não podemos esquecer a dimensão da escola pública na formação do cidadão, muitos falam em cidadania, mas são os mesmos que apoiam as limitações no financiamento da escola pública.

Muitos balbuciaram sobre os resultados dos atletas nos Jogos Olímpicos, mas esqueceram a dura realidade, a da necessidade de uma política desportiva integrada como elemento da formação da cultura integral do indivíduo, promovendo a prática desportiva, entendida como um direito e um importante fator de promoção do bem-estar e da saúde das populações. Ao contrário, a realidade desportiva é marcada por uma separação entre a preparação de atletas de alta-competição e o desporto de massas, porque este não tem os necessários apoios. Nesta linha devemos entender a importância do fortalecimento da dimensão do desporto escolar.

Estes e outros exemplos explicitam, de forma clara, que quem trabalha honestamente paga os seus impostos e as contribuições para Segurança Social, não vive acima das suas possibilidades. Esquecem o que pagamos na saúde, na educação, na água, na justiça e outros. Mas há mais, esquecem que as despesas com a utilização de veículos pessoais, com a eletricidade e gás, com a aquisição de veículos pessoais e com o telefone e fax, tudo isto em conjunto, representa 22% de todas as despesas das famílias portuguesas. Um exagero, não pela sua utilização, mas pelos seus valores.

Alguém se questiona da deficiente rede de transportes entre os concelhos no interior e mesmo nas suas cidades médias? Infelizmente, a compra de viatura própria, tendente à substituição do transporte público pelo transporte privado, estimulada desde o primeiro governo de Cavaco Silva, serviu às mil maravilhas o negócio bancário em função das taxas de juros aplicadas.

Acrescentemos a isto a formação dos preços da gasolina – esta semana fomos, mais uma vez, presenteados com as consequências da liberalização dos preços dos combustíveis, agora querem a liberalização na eletricidade, o filme vai ser o mesmo. Inclusive nas comunicações, preços formatados aos interesses comuns dos grandes acionistas e daqueles que no PS, PSD e CDS-PP, executam com perícia a agitação de cadeiras entre o governo e lugares de destaque na GALP, PT e EDP.

Quem, a este propósito, não se recorda dos 3,1 milhões de euros entregues sob a forma de salários a António Mexia, valor que, objetivamente, mais não foi do que uma espoliação aos bolsos dos consumidores?

Há obviamente uma fronteira radical, aquela que resulta de dois polos antagónicos: o trabalho e o capital. Mas há também uma miríade de especificidades que, aproveitadas no tempo e no espaço, não deixarão de contribuir para potenciar uma luta que se exige diária e transversal no setor público e privado. Para essa luta, não faltam estatísticas e conhecimento. E, muito menos, faltam montes de contradições. O tempo tem demonstrado que os papões estão bem vivos e do lado do capital.

Por: Honorato Robalo

* Dirigente da Direção da Organização Regional da Guarda (DORG) do PCP

Sobre o autor

Leave a Reply