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Os milhões desperdiçados que não incomodam ninguém

Num país onde os salários de gestores públicos e privados são alvo de escrutínio e escândalo, onde jornais consideram ‘milionárias’ retribuições de cinco mil euros, há uma atividade, fortemente subsidiada pelo Estado que gasta milhões a pontapé e que parece nada nem ninguém incomodar. Já perceberam – é o futebol!

Um ordenado de 50 mil euros mensais é banal? No futebol não é raro! É aceitável o presidente de uma Federação (que tem subsídios do Estado) auferir um vencimento superior a 15 mil euros (mais deslocações e representações)? No futebol acontece.

Cada equipa que joga na Madeira ou nos Açores recebe um subsídio (só meio milhão gastou o Instituto de Desporto da Madeira, já depois de ser extinto); cada seleção nacional recebe donativos públicos; cada Federação recebe idem. E mais o Comité Olímpico e mais – e ainda certos atletas especiais (Tiago Monteiro, piloto de automóveis, recebeu dois milhões de euros no tempo do Governo anterior). Depois há os apoios municipais, porque, enfim, é o clube da terra. E os regionais, no caso das ilhas. Na Madeira foi tão descarado que a Região chegou a ter os seus três clubes na I Divisão.

Acresce que a maioria dos clubes, a começar pelos chamados grandes, têm dívidas colossais e ainda assim compram e vendem jogadores em que qualquer rapaz mediano vale dois, três milhões de euros. Tudo isto é escarrapachado diariamente nos jornais, mas ninguém se insurge. Mas cada vez que os mesmos jornais falam dos salários dos gestores da Jerónimo Martins ou da Sonae (empresas que criam milhares de empregos) aparece logo alguém a condenar a desigualdade gritante e ganância desses gestores (ainda que ganhem menos do que Jorge Jesus).

É certo que ser desportista tem um tempo limitado, razão pela qual os salários dos atletas profissionais são elevados. É certo que mercado é internacional e o que ganha Ronaldo é porque há quem o pague a Ronaldo – e portanto é merecido. O que me irrita é que o mesmo raciocínio não se aplique a outros negócios privados.

Já a carreira de líder desportivo pode ser quase eterna (veja-se Pinto da Costa) ou líderes de Federações que abundam nos lugares há décadas. Eles e as famílias chegadas, nas federações mais recônditas lá está uma parte do erário público a sustentar uns pequenos luxos e umas prebendas. Mas este é um ramo onde pouca investigação jornalística há e nenhum político faz escândalo.

A célebre equidade que os partidos gostam tanto de proclamar, fica à vista. Alguém ouviu um socialista criticar com veemência este estado de coisas? Um comunista? Um bloquista? Há sempre exceções, é certo, e alguns militantes já o devem ter feito, mas resulta sempre em algo pífio e tímido por uma razão simples e que não é nada popular:

O povo, o contribuinte, não se importa e até gosta. Se correr algum para o seu clube apoia, mesmo, entusiasticamente. Gostam do circo – por isso também ninguém se interroga onde vão Câmaras cheias de dívidas buscar dinheiro para festas que vão fazendo ao longo do ano, algumas com artistas de renome, a maioria de graça para os espetadores.

Nota – Sou sócio de um dos clubes de futebol que beneficia deste sistema.

Por: Henrique Monteiro

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