Maria José Neto *
Os livros têm-me acompanhado ao longo da vida, uns por escolha pessoal, outros oferecidos ou emprestados pelos amigos, ocupam-me as mãos nos tempos livres e têm lugar permanente na mesa-de-cabeceira. Nunca em leitura digital, pois a sua materialidade tem cheiro, peso e uma estrutura física.
Quando frequentava o 5º ano, a biblioteca de turma da disciplina de Português despertou-me o “bichinho” da leitura. Recordo O Romance da Raposa, de Aquilino Ribeiro, sobre uma destemida “salta-pocinhas” que lutava pela subsistência. Mais tarde, compreendi que a sobrevivência humana é indissociável de uma ética de valores. Rejubilei com Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, a gaivota inconformada com o voo na praia e a comida fácil, que vencia as dificuldades com perseverança. Enterneci-me com a linguagem do coração de O Principezinho, de Saint-Exupéry, para quem o essencial era invisível aos olhos. Interroguei-me com os discursos de Tuiavii, chefe de uma tribo do Pacífico, sobre o Papalagui, o homem civilizado que se afastou da Mãe-Natureza e esqueceu o mais importante.
Na década de 80 iniciei-me em Saramago, na sua visão crítica e polémica. Com o Evangelho Segundo Jesus Cristo vislumbrei o amor humano entre Jesus e Maria Madalena, e experimentei outra ruptura com os valores do catolicismo tradicionalista em Os Nós e os Laços, de Alçada Baptista, numa teia de relações humanas.
Já adulta, sobre a injustiça, as desigualdades, o direito à liberdade e à felicidade, com As Vinhas da Ira, de Steinbeck, percorri os EUA até à Califórnia, num velho camião, sentindo a crise de 1929 no mais dramático destroçar da família e de aviltamento do ser humano, presenciei o inferno em Auschwitz com Primo Levi, sobrevivente e narrador de Se Isto é um Homem, indignei-me em Eu, Safiya, uma mulher nigeriana que a lei fundamentalista islâmica condenou à morte por apedrejamento.
Ainda vagueei por outros géneros da literatura: o mistério, em França, à procura de O Perfume, de Süskind, a cultura de Moçambique nas palavras inventadas por Mia Couto, nos Contos do Nascer da Terra, a Natureza da Amazónia em O Velho que Lia Romances de Amor, de Sepúlveda.
Dos livros absorvi muito daquilo que sou, mas continuo, incansavelmente, a ler, pois cada livro é um tesouro a descobrir.
* Professora de História