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«Os fogos deixaram-nos ainda mais pobres»

Vão-se fazendo contas aos danos causados pelos incêndios no Sabugal, entre muitas queixas sobre a actuação dos bombeiros

«Com as pastagens queimadas, não sei como alimentar os animais», desabafava na quinta-feira Joaquim Barreiro, um agricultor da aldeia de Santo Estêvão, enquanto ia transmitindo ao presidente da Junta os danos causados pelas chamas. Arderam-lhe 50 hectares de terreno, grande parte com pastagens, e tem agora 130 cabras sem comida. O autarca, João Caramona, apressou-se a reportar o caso do maior agricultor da terra à Câmara, via telemóvel.

Do outro lado da linha veio a solução provisória: a autarquia disponibilizava-se a levar a necessária alimentação até ao agricultor, informou João Caramona. «Vou andar com este problema pelo menos mais dois meses», estima Joaquim Barreiro, de ar desanimado, que anseia agora pelas primeiras chuvas de Outono, essenciais para a renovação das pastagens. Mas a sua lista de prejuízos não se fica por aqui. Perdeu uma mata de carvalho negral, com lenha estimada em 30 mil euros, várias plantações, e ainda 400 fardos de palha. «O incêndio teve a dimensão que se viu por culpa dos bombeiros», considera o agricultor, que acusa as corporações que estiveram no terreno de não terem auxiliado as populações, limitando-se a «esperar pelo fogo nas estradas». Entre 30 de Agosto e 1 de Setembro, foram três dias e duas noites de aflição em Santo Estêvão – à semelhança do que aconteceu em mais nove aldeias do concelho. O cenário repete-se em várias freguesias, cuja paisagem está agora marcada por um denso manto negro e um cheiro permanente a queimado, que os populares dizem ser mais intenso pela manhã.

Na segunda-feira (31 de Agosto), a frente que ameaçava a aldeia de Santo Estêvão chegou a ter apenas 20 metros, «mas os bombeiros, que eram de Belmonte, ficaram sem água e, em vez de irem abastecer e regressarem, foram-se embora», refere Joaquim Barreiro. Um episódio também relatado por vários populares da localidade ouvidos por O INTERIOR. O agricultor diz que foi por isso que o incêndio voltou a ficar descontrolado e que se viu obrigado a lutar contra as chamas «apenas com familiares e amigos, para tentar salvar um grande armazém cheio de feno». E conseguiram.

«Se não fosse o povo, a nossa terra tinha ardido»

«Foram consumidos 90 hectares da mata pública e salvámos 30, mas sem a ajuda dos bombeiros», adianta, por sua vez, o presidente da Junta de Santo Estêvão. Jovens de uma associação local e militares que foram destacados para o terreno «é que lá andaram», diz. «Chegámos mesmo a colocar as nossas vidas em risco», confessa, explicando que os populares estiveram rodeados pelo fogo. Nesta terra, houve pânico entre os que têm casas no meio do mato, arderam palheiros e o fogo esteve a escassos metros da povoação. Na aldeia vizinha de Urgueira contam-se histórias idênticas. Dentro da povoação houve pelo menos duas casas desabitadas que arderam, enquanto outras próximas, habitadas, escaparam. O fogo lavrou ainda em vários quintais. «Os bombeiros chegavam sempre duas ou três horas depois dos momentos piores», recorda Maria Gonçalves, que, aos 70 anos de idade, combateu pela primeira vez um fogo. «Chegámos a ir para o meio da estrada para fazer parar os bombeiros, mas eles seguiam em frente, tinham sempre desculpas para continuar viagem. O povo esteve quase sempre sozinho», acrescenta esta moradora de Urgueira.

«Havia muitas labaredas no ar, por todo o lado, e, se não fosse o povo, a nossa terra tinha ardido», garante, para depois lamentar a perda da sua horta. Num concelho onde ainda há muita agricultura de subsistência e os produtos da terra são parte substancial do sustento de muitas famílias, assim como de idosos com pequenas reformas, os incêndios «foram uma tragédia», considera esta residente em Urgueira. «Olhe, os fogos deixaram-nos ainda mais pobres», sintetiza uma vizinha de Maria Gonçalves. Em Aldeia de Santo António as queixas sobre a intervenção dos bombeiros repetem-se. «Foi o pessoal da terra, a malta nova, e os voluntários do Sabugal que andaram no fogo», descreve Fernando Gonçalves. «Os do Sabugal foram, aliás, os únicos que vi a trabalhar», assegura este jovem, dizendo que «os outros que aí andaram não fizeram nada». Este habitante diz mesmo ter assistido a uma «cena lamentável» entre duas corporações: «Os bombeiros do Sabugal pediram água a outros que recusaram porque diziam não ter autorização para a dar», lamenta ainda incrédulo com a situação.

Para lá dos danos na floresta e na agricultura, as populações falam ainda no impacto que o fogo poderá ter a outros níveis, como na caça ou no turismo da Aldeia Histórica de Sortelha, onde o negro passou também a fazer parte da paisagem.

Joaquim Barreto ficou sem pastagens para alimentar as suas 130 cabras

«Os fogos deixaram-nos ainda mais pobres»

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