Em setembro de 2012, Cândida Almeida, diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), proferia a plenos pulmões, na Universidade de Verão do PSD, que «o nosso país não é um país corrupto, os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos. Portugal não é um país corrupto. Existe corrupção obviamente, mas rejeito qualquer afirmação simplista e generalizada, de que o país está completamente alheado dos direitos, de um comportamento ético (…) de que é um país de corruptos».
Ora, a evidência dos factos faz qualquer pessoa de bem sentir-se embaraçada com estas palavras de Cândida Almeida. Aliás, a crença desta senhora e a sua incompatibilidade com realidade, traz-me à memória aquela corajosa constatação de George Orwell, segundo a qual: «Num tempo de falsas notícias, dizer a verdade é um ato revolucionário».
Excluindo o recente caso de Centeno e dos bilhetes para a bola, em que a incompetência do Ministério Público se revelou diretamente proporcional à ausência do mínimo bom senso e a soma de tudo é ainda inferior ao ridículo, o país tem sido devastado por sucessivos casos que abalam as fundações e a nossa fé no regime.
Desde os “vistos gold” a juízes que alegadamente se vendem pela melhor oferta, passando por banqueiros que se riem na nossa cara e por políticos que lhes devem os tachos que ocupam nas mais diversas empresas de referência, temos tido de tudo. Até ex-secretários de Estado que metiam a mão no bolso por uns livros e prebendas do género! O que me indigna, no meio disto tudo, é mesmo a pobreza franciscana da nossa corrupção.
Um Duarte Lima, um Ricardo Salgado, um Isaltino Morais, um Oliveira e Costa, esses sim, são uns senhores! Não venderam a honra pelo preço de uma qualquer prostituta de esquina. Pelo menos entregaram-se pela esperança da descendência ter futuro assegurado até à quinta geração! O Sócrates, esse, conseguiu ir ainda mais longe e fazer autêntica magia: roubar à vista de todos mas sem ser visto. Houdini, ao pé dele, não passava de um miserável aprendiz da manigância.
O que me mete mesmo nojo são os outros, os que se vendem por pouco mais do que o ar que respiram. Um juiz a quem pagam o carro e a renda de casa? Nem sequer uns milhões num qualquer “offshore”?! Uns livritos envergonhadamente sacados à socapa? Umas viagens aos jogos do Euro? Coisa pouca, muito pouca, para um país em que as avozinhas ainda oferecem ao senhor doutor uns litros de azeite para a operação acontecer mais depressa…
E é este espírito miserabilista que explica o nosso fado. Na verdade, nem sequer os corruptos ficam contentes. Com o tempo, percebem que se venderam por pouco e que os seus filhos vão ter de fazer o mesmo. E quando descobrem ídolos como Ricardo Salgado e José Sócrates, assalta-os a pequenez e a irrelevância daquilo que são. O que eles queriam mesmo era serem o pastor, nunca apenas o gado que pasta.
É em alturas dessas que se revela uma das piores marcas do nosso povo: a inveja! Cada corrupto desejava no fundo ser como o corrupto do lado. Isto é um bocadinho como aquela mania de que a galinha da vizinha é a melhor das capoeiras do povoado. Enquanto um Ricardo Salgado rouba sem emoção, o corrupto da esquina rouba com paixão. É aquilo a que chamaríamos de “corrupto moral”, uma espécie de corrupto meio pé-descalço, mas pelo menos com a sua moral. Não é por acaso que um Isaltino Morais, que nem isso tem, afirmou um dia: «A prisão deixou-me mais bem preparado para ser autarca». Acredite-se ou não, o povo, na sua infinita sabedoria, deu-lhe razão…
Por: Jorge Noutel