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Os “Dias da Lua” resistem na Quarta-Feira

Aldeia do Sabugal insiste há nove anos em iniciativa cultural, apesar da desertificação e contra o desinteresse

O ciclo já não tem o vigor de antanho, mas os luares continuam tão luminosos e inspiradores como sempre. Quase se diria que é o feitiço da Lua e o magnetismo das antigas minas de urânio que dão força a João Cruz Reis, escultor, e aos elementos do Centro Cultural e Recreativo de Quarta-Feira, no Sabugal, para continuar com a iniciativa “Dias da Lua”, um evento cultural com nove anos de existência que resiste anualmente em Agosto, agora apodado do substantivo desportivo para sobreviver. Mesmo assim, é cada vez mais difícil completar o ciclo da descoberta da Natureza e criatividade artística proposto. Um desafio ameaçado inexoravelmente pelo desinteresse e a desertificação da aldeia, mas que estará de regresso no próximo ano. Contra tudo e todos.

«A festa vale sempre a pena, porque as pessoas daqui participam, nascem vocações e dá vida e animação à aldeia», garante Cruz Reis, 37 anos, trabalhador da construção civil, inspirador e principal dinamizador dos “Dias da Lua”. A edição deste ano, que terminou domingo com um convívio, não fugiu à regra e reforçou a ideia do evento já ser mais uma festa comunitária, que vive apenas do envolvimento activo dos jovens de Quarta-Feira nos ateliers de escultura, pintura e dos sons da Natureza, enquanto toda a aldeia sai à rua para assistir aos espectáculos de música e teatro. Foi assim durante a última semana na sessão de poesia, na actuação dos “NemFáNemFum” e do Grupo de Acordeonistas e Tocadores de Realejo do Concelho do Sabugal, mas também no espectáculo de teatro proporcionado pelo grupo local, os “Guardiões da Lua”, uma das consequências «naturais» da primeira edição dos “Dias da Lua” em 1994, após um atelier de teatro orientado por Américo Rodrigues, e que já conta com 32 produções no seu currículo. O que falta mesmo é o “outro”, o contacto com visitantes e participantes exteriores a Quarta-Feira, para que as experiências sejam mais abrangentes e consequentes. «As pessoas são cada vez menos e é mais difícil juntar multidões ou trazer gente de fora, apesar de nós darmos condições de alojamento, refeições, oficinas e espectáculos. Mas as pessoas não vêm», queixa-se Cruz Reis, considerando ser esta a primeira grande alteração em relação às edições iniciais.

À espera da “nova vaga”

Longe vai o tempo da produção da escultura que representa “As Quatro Faces da Lua”, realizada no atelier inaugural dos “Dias da Lua” há nove anos atrás por jovens vindos da Guarda ou Covilhã. A sua concretização foi o motivo de um verdadeiro festival de cultura, com jazz, teatro e pintura. Dessa agitação sobrou o barroco de granito esculpido, que continua à entrada da aldeia, qual sentinela a avisar que esta não é uma terra como as outras. Um passeio pelas ruelas estreitas confirma os augúrios do granítico sinal de boas vindas. Semeados aqui e ali, encontram-se totems, cogumelos, figuras humanas e míticas, animais, todos esculpidos na pedra. Graças a eles, Quarta-Feira é um surpreendente repositório escultórico “naif” e contemporâneo, anualmente enriquecido com os trabalhos dos jovens que participam nos ateliers de escultura. «A aldeia e a serra estão repletas de esculturas do grupo. Há um relógio de sol no cimo do monte de S. Cornélio, uma homenagem aos nossos heróis do passado – os Lusíadas e os seus monstros -, mas também um anfiteatro natural decorado com baixos relevos», acrescenta Cruz Reis, para quem os “Dias da Lua” ainda não terminaram porque persistem 18 jovens resistentes no grupo de teatro e os pais destes, todos «muito ligados à terra». Contudo, o futuro não é muito auspicioso, apesar da muita juventude existente actualmente na Quarta-Feira: «O problema é que a nova geração que devia substituir-nos são duas crianças com cinco anos, as únicas a viver na aldeia», refere. Mas até lá, o Centro Cultural e Recreativo não pára e está a preparar uma homenagem ao século XX no final do ano, um evento que irá prestar um atributo aos seus patrícios evocando a pastorícia, as minas, a emigração, mas também o final do século, com as «ideias malucas» da juventude ligadas à informática, entre outras coisas.

Luís Martins

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