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Os desafios de Costa

Ei-lo, como era de inteira justiça eleitoral – um governo do PS com o apoio de uma clara maioria parlamentar de esquerda. Não sendo o futuro uma certeza é pelo menos certo que os políticos e a política passarão a ser outros já amanhã. Mas perguntar-se-ia: é bom mudar quando há tantas razões para recear a mudança? Sim, se mudança significar o fim da política de desconfiança sobre os cidadãos e as suas escolhas, caso lhes calhasse ter algum rendimento disponível para poderem fazer escolhas. Sim, a austeridade tinha este fundo, algo ofensivo, de menorização dos cidadãos. E ainda sim, porque, além das políticas, importava conter os seus protagonistas e a atitude radicalizada – guiada pela convicção e pelo preconceito, fossem quais fossem as consequências que deles seguissem – que escolheram como modo de estar na sua fraca defesa do bem comum e do interesse nacional. Não é possível, aliás, dissociar uma avaliação da maneira como a direita governou o país durante 4 anos de uma avaliação da maneira como tem reagido aos resultados eleitorais de 4 de outubro. Sempre a mesma forma radicalizada de afirmar a sua importância política e de destituir de quaisquer direitos uma alternativa, por mais esboçada que seja.

Mas um governo de PS que é de esquerda – o que não é uma sequência autoevidente – sabe, à partida, que está condenado a governar contra o sistema. Não tem de significar isso, contudo, um beco sem saída que levasse o XXIº governo constitucional e os partidos de esquerda que o apoiam (shame on you!) a engolir, uns atrás dos outros, sapos austeritários, e a fazer, no fundo, salvas as aparências, a mesma coisa que a direita diz ser inevitável. Por exemplo, a consolidação orçamental ter de se fazer, no essencial, à custa do rendimento dos trabalhadores, recusando confiar o rendimento justo ao trabalho e confiar que dele se seguirão escolhas razoáveis, com que se formarão estímulos para um mercado sustentável.

Uma governação de esquerda para este nosso país tão massacrado não pode cair no engodo de se sentir dentro de uma camisa de sete varas. É necessária toda uma mudança de perspetiva, que de raiz veja os desafios centrais de outra maneira. É essa a inspiração que a governação vai precisar para ter futuro. Que desafios são esses? Reabilitar uma social-democracia que combata convincentemente as desigualdades sociais como modelo de desenvolvimento para o país. Combater as múltiplas exclusões que o país enfrenta e que assim só debilitam a sua capacidade de as enfrentar. Defender para a Europa a visão esclarecida – de inclusão e desenvolvimento – que se defende para Portugal mas que dependerá sempre do que ali se escolher fazer. Estes são os pontos cardeais para a mudança.

Se um governo PS genuinamente de esquerda tem significado no contexto europeu é como um grande ponto de viragem de dentro e sem remissões. Há que governar contra o sistema, mas mobilizando o próprio sistema para a sua viragem.

Por: André Barata

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