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Os cogumelos como fonte de riqueza

Reserva de protecção micológica vai nascer na Serra de Bois, entre Fernão Joanes e Videmonte

A zona da Serra da Estrela não está a aproveitar da melhor forma todas as potencialidades que os muitos cogumelos existentes na região oferecem. Esta é uma das principais conclusões retiradas do IIº Encontro Micológico da Serra da Estrela que decorreu no último fim-de-semana, em Videmonte. Para tentar contrariar esta tendência e os valores muito baixos por que são transaccionados, vai ser criada uma reserva de protecção micológica na Serra de Bois, entre Fernão Joanes e Videmonte.

«Essa reserva vai ser enorme, com centenas de hectares, e é uma área que vai ser mesmo preservada», indica Daniel Vendeiro, da direcção da ADEFES – Associação de Desenvolvimento das Freguesias da Encosta da Serra, entidade promotora do encontro e que envolve as freguesias de Videmonte, Meios, Fernão Joanes, Vale de Estrela, Corujeira e Maçainhas. Esta zona de protecção, que deve ser criada dentro «em breve», será um espaço de excelência para os cogumelos serem criados, onde haverá regras que terão que ser respeitadas para quem os quiser colher. Por outro lado, pretende-se que a área possa ser visitada por crianças, que poderão constatar desde cedo a importância dos boletos e a «riqueza» que pode ser conseguida através da sua venda. Sendo que a comercialização é «sempre uma meta a atingir», ainda para mais numa zona onde existem «mais de 200 espécies de cogumelos». O encontro, que decorreu no último fim-de-semana e contou com participantes de várias zonas do país, da Mealhada ao Alentejo, foi feito a pensar «na divulgação dos produtos que nós temos», mostrando «algo que as pessoas não conhecem e que pode ser uma riqueza», sublinha.

De resto, para que a generalidade das pessoas possa ganhar um maior conhecimento sobre os cogumelos, os seus perigos e virtudes, o edifício da Junta de Freguesia de Fernão Joanes vai acolher em Janeiro cursos micológicos para se ficar a saber «o que é bom, o que é mau, o que é rentável e o que não é», frisa. Segundo Manuel Paraíso, da Associação Micológica “A Pantorra”, que falou sobre “Os Cogumelos na Gastronomia”, frisou que a região é «marcadamente micófoba», uma vez que as pessoas «têm medo de consumir cogumelos». No entanto, é preciso ver que são um «alimento a considerar, com um alto valor nutritivo», ao mesmo tempo que podem constituir uma «mais-valia para as populações e que, neste momento, está a ser desvalorizada», garante. É que, segundo o especialista, «está a fugir muito dinheiro para fora através dos intermediários que vêm “roubar” as pessoas», porque não consomem e «não se valoriza um recurso que tem muito valor a nível internacional», assevera. Trata-se verdadeiramente de um «potencial que está esquecido», considera Manuel Paraíso, indicando que os cogumelos servidos na ceia de sábado foram comprados numa empresa de Viseu a 15 euros o quilo.

Já Guilhermina Marques, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, falou sobre “Os Cogumelos e o Desenvolvimento Rural”. A investigadora defendeu que uma das vertentes a explorar é a do desenvolvimento do turismo gastronómico, já que existe «cada vez mais procura de restaurantes que sirvam cogumelos silvestres», que se encontram em maior quantidade nas regiões do interior. Considerando que o distrito da Guarda tem «todas as condições» para se envolver neste sector, a professora alerta para os efeitos que a grande quantidade de incêndios está a provocar na região: «Os cogumelos com mais importância económica aparecem essencialmente em florestas com uma certa idade e essas estão a desaparecer», alerta. Noutro sentido, realça que em Portugal não há uma grande tradição de conhecimento dos cogumelos, o que prova que estamos «um pouco atrasados em relação ao que se passa no resto da Europa», onde «já não é qualquer pessoa que pode ir apanhar cogumelos», sendo necessário frequentar um curso de formação. «Aqui não. Toda a gente pode ir e usar os instrumentos que lhe apetecer. Não há regras e espera-se que isso mude», contrapõe.

Míscaros amarelos podem acarretar riscos

De acordo com Manuel Paraíso, apesar de já terem passado dois ou três milhões de anos sobre as primeiras utilizações dadas aos cogumelos, que vão desde a alimentação, à medicação e ao uso como meio de ascender aos deuses divinos, ainda hoje «continua a haver registos de intoxicações», alerta. Isto porque é, fundamentalmente, «complicado» determinar o que é ou não comestível, na medida em os cogumelos «têm caracteres objectivos que dependem da toxicidade e das propriedades de cada fungo, mas também têm caracteres subjectivos que dependem, muitas vezes, da própria pessoa e da sua capacidade física». Por outras palavras, há cogumelos que são «tóxicos e fatais para certas pessoas» mas que «não apresentam risco nenhum para outras», realça. De resto, é necessário a adopção de algumas medidas de prevenção para se evitarém casos de intoxicação. O especialista dá como exemplo o caso do míscaro amarelo, «muito consumido na zona da Guarda e de toda a Beira», e que já está já proibido em países como a França e Itália, enquanto que noutros, como o Canadá, está «em processo de proibição». Em Portugal, apesar de não existirem estudos «que provem que tenha havido casos de intoxicação» com aquela espécie, «também ninguém sabe porque neste país vivemos do nacional porreirismo», lamenta.

Ricardo Cordeiro

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