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Os caminhos do voluntariado

PATRÍCIA RODRIGUES, FISIOTERAPEUTA, EX-ALUNA E EX-COLABORADORA DO EXPRESSÃO

São diversos os caminhos padronizados que percorremos, trilhos paralelos que nos conduzem a estilos de vida semelhantes mas aos quais poderemos acrescentar bagagem diferente, sendo ela que nos torna pessoas únicas com experiências de vida que nos moldam de um modo pessoal. O passado que construímos constrói-nos.

Assim como muitos jovens da Guarda, realizei o meu secundário na Escola Afonso de Albuquerque, familiarmente designado de liceu. Sete anos de transformações e descobertas por entre corredores com uma luz filtrada pelas pequenas janelas, por passagens fugidias num salão envolto em fumo de diletantismo e ânsia de emancipação, por salas de aula onde os professores se esforçavam por lançar as sementes de um futuro promissor. Um mundo protegido que recordo com nostalgia e que com apaziguamento reconheço que contribuiu com os valores e crenças para a jovem que entrou na universidade após o 12º ano. O meu universo de experiências conheceu então o terreno académico para crescer, ao pousio seguiu-se a fertilidade de experiências de voluntariado (hospital, crianças de risco, toxicodependentes, idosos…), de activismo, de partilha, de interculturalidade. Durante este período saliento a vivência do voluntariado missionário na Guiné-Bissau e o serviço voluntário europeu na Itália.

Durante o mês de Agosto de 2007, a minha casa adquiriu tonalidades vermelhas e cheiros tropicais, a simplicidade do seu nome Safim, na Guiné-Bissau, contrastava com a complexidade social e natural. Esta pequena localidade nos arredores de Bissau recebeu três voluntárias brancas que deram formação em língua portuguesa e pedagogia a professores do ensino primário e educadores de infância, bem como realizaram diversas actividades de animação com as imensidão de crianças de pele e olhos escuros que valorizavam um material tão banal como os lápis de cor ou uma folha de papel. Através do Centro de Cultura e Fé da Universidade de Aveiro e da Orbis fiz formação no âmbito do voluntariado missionário, tão particular e especial, para que pudesse partir com uma preparação algo mais consistente. São várias as Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD’s), movimentos, associações, entre outros que promovem este género de activismo jovem, não tendo obrigatoriamente que ter um cariz ou conexão religiosa: Bússula, GuardÁfrica, Gas’Nova, Gas’Africa, Jovens sem Fronteiras, Juventude Hospitaleira, Movimento Juvenil Salesiano, entre tantos outros.

Mais adiante no meu percurso académico, concretamente no ano de conclusão da licenciatura, assolava-me um sentimento de medo e insatisfação perante um mercado de trabalho tão incerto e com valores essencialmente comerciais. Optei então por adiar esse salto e fazer algo que fosse realmente importante e me concretizasse. A resposta surgiu com o nome de Serviço Voluntário Europeu (SVE), um programa da comissão europeia que coloca ao dispor de qualquer jovem entre os 18 e os 30, a possibilidade de realizar voluntariado num país da Europa, baseada numa aprendizagem não formal. È necessário que uma organização de envio, portuguesa, entre em contacto com uma organização de acolhimento, a qual elaborou e coordena o projecto escolhido pelo voluntário num determinado país da Europa. Para tal o voluntário deve consultar a base de dados da comissão europeia com a descrição de centenas de projectos integrados em várias áreas de interesse: a ciência, a animação, a saúde, o ambiente, entre outros. São imensas as aquisições com o SVE: as pessoas, os lugares, a língua, os momentos irrepetíveis, um contexto de aventura e idealismo. A aprendizagem faz-se de um modo prático e relacional, baseado num clima densíssimo de interculturalidade. De momento as memórias nostálgicas arrastam-me para um regresso, para um saciar das saudades, numa certeza que a experiência de vida relatada mais será revivida, e que só por isso valeu muito a pena.

O voluntariado apresenta-se assim sob a forma de um caminho alternativo, de certo modo algo secundário, no entanto conduz a lugares que de outro modo não serão alcançados ou não com a visão que o outro permite.

Patrícia Rodrigues

(fisioterapeuta na Clínica Fisiátrica Belmonte, no Bairro de S. Domingos, Guarda;

estudou fisioterapia na Univ. Aveiro)

Sobre o autor

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