Raul Brandão (1867-1930), jornalista mediano, militar por obrigação e um talentoso e esquecido escritor português, conta que, durante o derradeiro ministério da monarquia portuguesa, João Chagas, um dos proeminentes promotores da revolução que então se urdia, lhe falara assim: «(…) . – Que me importa a província! Que me importa mesmo o Porto! A república fazemo-la depois pelo telégrafo».
O caudilho tinha toda a razão: triunfando a revolução em Lisboa, a República seria telegrafada para a província, para as ilhas e para as colónias.
Ainda hoje é cada vez mais assim e a realidade com que nos confrontamos é que poderemos daqui por uns anos estabelecer um cordão sanitário à volta de um território com cada vez menos gente, mais abandonado nas suas culturas tradicionais e sobretudo um adeus a um mundo rural que só poderemos ver no canal História ou num qualquer jogo de tipos esquisitos a atravessarem zonas inabitadas numa qualquer “game box” comprada numa FNAC, numa cidade que se veja.
Sou do tempo em que FNAC era mesmo só ar condicionado e deu emprego a tanta gente num projeto coletivo que, não fora a ganância de uns poucos, poderia ter sido um modelo para muito do sector produtivo do país, num tempo em que os governos de Soares e Cavaco o começavam a desmantelar a soldo dos interesses dos “eurocratas”.
Mas, já que veio à liça o 5 de outubro de 1910, lembro que uma das palavras que rapidamente entrou para o léxico foi o “adesivo”.
O “adesivo” era nem mais nem menos que o politiqueiro, empresário, ou até clérigo que dava no dia 4 de outubro vivas à monarquia, desfraldava a repressiva bandeira azul e branca, hoje, clubisticamente falando, um símbolo da liberdade, e no dia 6 de outubro de 1910 eram os mais entusiastas da bandeira verde-rubra, e dos proeminentes seios da estátua da República.
Mudou o léxico, a palavra adesivo passou a designar outras coisas, substituída no tempo do fascismo pelo penetralho em oposição ao reviralho, que eram os do contra, e hoje é termo adaptado ao chato.
A verdade é que, como observador pouco atento das realidades locais e nacionais, vejo um cada vez maior entusiasmo adesivista nas vitórias dos que ambicionam alguma coisa e que podem dar algumas migalhas aos pombos que arribam às vezes sabe-se lá de onde.
Já que falei em eleições ou conclaves, e se não falei infere-se, tenho que me sentir incomodado quando o pessoal da Guarda se mobiliza com o lugar do Sancho, não o Pança, que esse virá em outubro, e se despreocupa com realidades tão evidentes como a falta de desenvolvimento, a falta de linhas férreas, a falta de emprego e a desmoralização continuada das pessoas desmotivadas para um futuro coletivo que se desejou diferente.
Está na hora de voltarem os “Adesivos”, pelo menos que consigam ser hipoalérgicos.
Por: Fernando Pereira