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Oitenta segundos

Jogo de Sombras

Pronto: o minuto e vinte segundos mais longos da História chegaram ao fim. Em termos rigorosos terão passado cerca de 78 milhões de segundos desde que o relógio do Polis anunciou que as obras estariam terminadas em não mais de 80. Mas tudo pode ter, afinal, um fundamento erudito. Em 45 AC, o Imperador Júlio César, com a ajuda do astrónomo egípcio Sosígenes, reformou o calendário até então vigente e deu o seu próprio nome (Julho) ao mês chamado Quintilis – Augusto, o sucessor, viria a fazer o mesmo com Agosto, então Sextilis –, tendo dividido o ano em 12 meses. Até ao século VI os anos continuaram a ser contados a partir da fundação de Roma e foi o monge grego Dionísio quem calculou a data do nascimento de Cristo, já que não havia um registo histórico preciso. Mas só no século XVI o papa Gregório corrigiu um erro de contagem de 11 minutos e 14 segundos por cada ciclo anual, o que, acumulado, tivera como consequência que o equinócio da Primavera ocorresse a 11 de Março. Acrescentou dez dias, decretou os anos bissextos para prevenir novos erros e instituiu o calendário gregoriano, pelo qual se regula hoje a maioria das nações. A larga maioria – mas não todas. O dia em que escrevo (27 de Novembro de 2007) tem no calendário juliano, ainda observado em certos cenóbios ortodoxos, a seguinte austera numeração romana: DIES MARTIS A. D. XVIII CAL. DEC. MMDCCLX A. U.. Mas no calendário de Escalígero – ainda hoje adoptado por comunidades de origem celta que defendem o primado do ciclos solares – estaremos no ano de 6720. Em certas sociedades budistas do sudeste asiático está-se em 2550. Na Índia hindu é o ano 2085. No calendário islâmico corre o ano 1428 da era Hégira. E na China prossegue o Ano Lunar do Porco (convertido em 4705 pela tabela gregoriana), iniciando-se o Ano Lunar do Rato no nosso dia 6 de Fevereiro de 2008. Portanto, tudo é relativo. Os 80 segundos do Polis podia ser mesmo o tempo que restava até ao fim das obras. O nome é grego e alguns dos projectos iniciais – o funicular entre a Estação e o Centro, por exemplo – provinham assombrosamente do outro mundo. Além disso, nunca fomos bons a contar o tempo: não andámos séculos a dar como assente que o Foral foi outorgado não a 27 de Novembro mas a 26? E convém não esquecer a proverbial diferença, que se manifesta nas mentes apressadas, entre o tempo psicológico e o tempo cronológico.

Na medida em que fui, nos últimos cinco ou seis anos, um dos cidadãos que mais vezes tornou pública a ansiedade pelo andamento das obras e criticou a essência das opções tomadas, também hoje me sinto na obrigação de dizer o que penso. Não digo que valeu a pena esperar (isso dizem os conformados) mas reconheço, pondo de parte os atrasos – subtilmente explicados por Joaquim Valente, para quem quis perceber, quando lembrou que esteve na origem no projecto na época em que foi vereador do urbanismo e do ambiente e que, ao chegar a Presidente cinco anos depois, tomou como desígnio terminar as obras –, que o parque é agradável e tem tudo para se tornar num centro de lazer, desporto e animação permanente. Não vou repetir as dúvidas que já manifestei sobre a sustentabilidade e a manutenção do espaço, para não agoirar. Até porque ouvi ser lançado um desafio aos cidadãos, não apenas para o usufruto mas também para o contributo com iniciativas, ideias e sugestões. Cabe-nos, portanto, responder e estar à altura da responsabilidade que nos é outorgada. E ficarmos, por outro lado, atentos à concretização de toda uma estratégia que foi afirmada no discurso do Dia da Cidade, talvez o discurso mais longo, político, assertivo e cirúrgico do actual Presidente da Câmara, que aparentemente quis fazer uma prestação – ou um ajuste? – de contas a meio do mandato. Resta-nos perceber se a substância irá corresponder ao embrulho. Mas como costumamos dizer na Rádio, ficou gravado.

Por: Rui Isidro

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