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Obrigados a Escolher?

Confesso que não costumo votar com gosto. É raro haver alguém com quem me identifique, que torne fácil a minha escolha. Um dia cansei-me de votar no mal menor e pensei que seria boa ideia ficar em casa. Sempre era uma forma, talvez a única, de mostrar o meu desagrado pelas escolhas que o boletim de voto me apresentava. O voto em branco e o voto nulo eram formas de dizer o mesmo, mas “indo lá”. Cumpria-se a pequena cerimónia de escrever qualquer coisa no boletim de voto, como “Pato Donald” (nas presidenciais), ou “Benfica” (nas legislativas), ou “vão todos à merda” (por exemplo nas Europeias), dependendo do estado de espírito. Ou então não se escrevia nada e voltava-se para casa, algo frustrado porque à inutilidade da coisa se tinha associado o desconforto da deslocação e a perda de tempo. Tudo bem, é a democracia, é a dose homeopática de democracia que a Constituição nos garante, é a nossa forma de soprar no vento, mas mesmo assim não é satisfatório.

Ter de ir votar e escolher entre vários candidatos maus é o mesmo que termos apenas um restaurante e não gostarmos de nenhum dos pratos sem qualidade que nos oferecem aí. E é algo infantil escrever na ementa qualquer coisa como “a comida aqui não presta”, dobrá-la em quatro, enfiá-la numa caixa e ir embora. Se queremos mesmo vincar um ponto, assinalando a nossa discordância em relação à má qualidade desse restaurante, podemos, para começar, nem sequer ir lá. E se a comida que aí servem for ofensivamente má, pode ser nossa obrigação divulgar o caso onde pudermos e tivermos audiência. Não podemos é ser obrigados a escolher entre um bife duro e seco, um peixe pouco fresco e um cabrito a cheirar a borrego. Ou a cão.

Se numa cidade pequena houver apenas três restaurantes e começarem a perder clientela pela baixa qualidade da sua oferta, talvez um dia sejam obrigados a melhorá-la e isto se quiserem continuar no negócio.

É por tudo isto que acho que uma das formas mais eficazes, civilizadas e expressivas de mostrar o meu desagrado perante as opções eleitorais que me colocam é a abstenção. Sei bem que pode haver outras leituras, mesmo que ilegítimas: preferi ir à praia, não me interesso pelos problemas nacionais, deleguei noutros a decisão sobre o meu futuro. Aceito que o digam, é um risco calculado e tive de contar com ele.

Não deixei foi de continuar a ser cidadão deste país, não perdi o direito (ou a autoridade, ou legitimidade) de protestar contra as ações governativas dos que acabaram de ser eleitos. Mesmo que me tenha recusado a comer esse peixe podre, tenho o direito de dizer o que penso ao cozinheiro, ou do cozinheiro. Por muito que custe ao Pato Donald.

Por: António Ferreira

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