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O Zé Godinho

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Fomos colegas no liceu, fomos companheiros no PS, fez parte de inúmeros grupos, inúmeras coletividades, incontáveis ações cívicas. O “Guda” era uma força da natureza e tinha uma anatomia diferente da maior parte. O coração estava logo junto à língua e onde outros têm a tiroide, tinha-o ele a latejar. No lugar das mãos tinha duas armas poderosas de contundir por resposta à emoção. No lugar dos olhos tinha os sonhos. O “Guda” tinha uma língua áspera que transmitia a paixão, o coração, a magia, os ódios e as explosões de humor. Ganhou a Junta de Freguesia de Vila Nova, em Miranda do Corvo, com percentagens arrasadoras. Sonhou com um parque eólico e construi-se. Sonhou com um observatório e fez-se. Sonhou com uma floresta repovoada – um parque natural – e construiu-se. Imaginou um parque de merendas e construiu um. Aumentou o cemitério de Vila Nova no meio de muita polémica. Fez o percurso da vida de Miguel Torga da Almedina até S. Martinho da Anta, passando por Vila Nova. Mas se me perguntarem se ele era fácil – não era. Gritava, empolgava-se, apaixonava-se, fervia, chorava. O fortíssimo José Godinho tinha medo das doenças, tinha medo dos fracassos e procurava-me para as suas dores e para as dores e mazelas de muitos. Um dia procurou-me porque tinha tido um problema a falar e fez um exame à cabeça, a que se seguiram outros, e mais outros, ainda novos e especiais e depois operações e quimioterapia, e radioterapia, e desmaios, e uma grande tristeza por ver chegar o fim. O “Guda” desmembrou-se aos 52 anos, neste fim a que não podia dar umas patadas, nem gritar, nem discutir. Para mim ficou o dos abraços, o dos passeios por Quiaios, o das viagens na floresta, o das merendas, o da Parreirinha do Fausto, e aquele tipo incrível que atendia na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra onde chegou pela mão do amigo comum Francisco Cabrita Grade. O Chico está lá em cima a preparar-lhe o lugar na bateria e já com o baixo ao peito, preparam-se para ver esta loucura toda de cima. Talvez testemunhem o regresso do comboio roubado à linha da Lousã e o Zé sorria. Talvez usem aquela força revolucionária (o “Asterix” de Vila Nova) para nos ajudar a sair desta crise imparável. A 12 de maio partiu um homem emocionante, emocionado e emotivo. Um amigo enorme.

Por: Diogo Cabrita

Comentários dos nossos leitores
Miguel Baptista amiguelbaptista@gmail.com
Comentário:
Um testemunho extraordinário de Diogo Cabrita que retrata na perfeição o modo de ser, a vida e obra de Zé Godinho. Bem-haja!
 
Artur Rodrigues arturtopo@sapo.pt
Comentário:
Subscrevo este texto foi de facto um Homem que quis bem e fez bem, a sua obra será eternizada, pois não é possivel apagar o que idealizou e construi. Obrigado pelo que fizeste por todos nós!
 

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