Singelos monumentos expressivos da religiosidade popular, as “Alminhas” constituem um património ímpar que não tem merecido a devida atenção e a necessária salvaguarda.
Na nossa região existem inúmeros testemunhos do culto das almas, sob diversificadas manifestações de arte e nos mais distintos lugares, embora os caminhos e as encruzilhadas tenham constituído locais privilegiados para a sua implantação.
A representação do Purgatório num oratório, retábulo ou painel, com chamas envolvendo as almas que suplicam aos santos e apelam ao auxílio das preces de quem passa, materializou-se, inicialmente em pinturas, a partir do século XVI; conheceu uma maior difusão no século seguinte, no território português, com maior incidência a norte do Mondego (a sul essa manifestação artística ficou, muitas vezes, no interior das igrejas e nas capelas das Irmandades).
Embora alguns trabalhos sustentem que as “Alminhas” se tenham inspirado e sejam uma herança das “civilizações clássicas de Roma e Grécia, que nas suas deambulações já haviam erguido monumentos junto às estradas para devoção aos seus deuses”, sabemos que a origem das alminhas surge na Idade Média.
A partir do Concílio de Trento, em 1563, a ideia do Purgatório (anteriormente, e em especial nos primeiros séculos do cristianismo existia apenas o Céu e o Inferno) é imposta como dogma, atitude que é interpretada como uma resposta da Igreja Católica à reforma implementada pelos protestantes. Assim, o Purgatório surgia como um local (entre o Céu, para os bons, e o Inferno, para os maus) onde as almas passavam por um estado, forçado, de purificação.
Aliás, estas manifestações de religiosidade popular e de arte eram, simultaneamente, uma alerta permanente para a fragilidade da vida, perante a certeza da morte.
As “Alminhas” eram erguidas, normalmente, por iniciativa individual como homenagem, em memória de familiares ou no cumprimento de promessas.
Esta devoção popular atravessou séculos e embora a meio do século passado tenha sido evidente um rejuvenescimento através da introdução da azulejaria (e alterado o culto inicial para manifestação de fé em santos da predileção pessoal), muitos destes pequenos monumentos, mercê do tempo e da desertificação das regiões, caíram no esquecimento e em progressiva degradação.
“Ó vós que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando”…
Este apelo, inscrito em inúmeras “Alminhas”, bem pode ser, na atualidade, dirigido a todos nós que temos esquecido este peculiar património (não são conhecidos muitos mais exemplos – com exceção para alguns casos, raros – na Europa), disperso por caminhos, muros, pontes, campos, estradas…
É urgente a sua referenciação, estudo e divulgação sob o risco de perdermos mais um importante traço identitário do nosso património e cultura.
Por: Hélder Sequeira