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«O vinho é um produto cultural antes de ser uma bebida»

Seminário da UNACOBI debateu as estratégias de valorização dos vinhos da Beira Interior

«Vender vinho a 25 cêntimos a garrafa não é valorizá-lo. Nessas condições mais vale vender água». A provocação é do especialista italiano Gil Gilardini e marcou o seminário dedicado à “Valorização dos Vinhos da Beira Interior”, promovido no sábado pela União das Adegas Cooperativas da Beira Interior (UNACOBI), no âmbito da mostra “Vinhos e Sabores da Beira Interior”. O enólogo radicado em Portugal há nove anos defendeu o desenvolvimento da eno-gastronomia na região, mas sobretudo mais competência para comercializar os vinhos aqui produzidos.

«No país, como na Beira Interior, ainda está por aproveitar a trilogia turismo, gastronomia e enologia, porque os recursos, aliados à cultura e ao património, abundam. O que falta é saber usá-los de forma a gerar receitas para os produtores e a região», afirmou Gil Gilardini, considerando que «um dos pilares» do turismo nacional tem que ser a enologia. «O vinho é um produto cultural, antes de ser uma bebida, e nunca pode ser visto como uma droga», acrescentou, reagindo a um episódio entre dois médicos narrado antes por Costa Oliveira. Mas o secretário-geral da FENADEGAS – Federação Nacional das Adegas Cooperativas esteve em Belmonte para falar sobretudo de dois projectos da UNACOBI – a central de compras e a valorização dos seus produtos –, garantindo que as cinco associadas estão no bom caminho. No primeiro caso afirmou que as cooperativas têm que baixar os custos de produção, tanto na adega como na vinha. «Só assim conseguimos que os preços esmagados que somos obrigados a praticar sejam minimanente compensadores para os viticultores», afirmou.

Costa Oliveira recordou ainda que a primeira experiência da central de compras «não correu bem», quando o principal fornecedor de garrafas do país não concorreu ao concurso aberto para o efeito. Aludiu também ao relatório Porter, que defendia a comercialização de vinhos portugueses de grande qualidade para os mercados britânico e norte-americano, para constatar que essa estratégia não está a ser bem sucedida. «Normalmente, não nos pedem vinhos a 8 e 9 euros a garrafa, mas sim produtos baratos, pelo que é muito difícil conseguir mais-valias», lamentou, desafiando os produtores a «esforçarem-se» pela valorização e promoção dos seus vinhos. «O vinho não sai sozinho da adega, esse tempo já lá vai. Agora é preciso impô-lo junto dos consumidores e se não avançarmos pelo caminho do marketing, então estamos com problemas acrescidos», aconselhou. Um deles é o facto de uma boa parte da produção das cooperativas – qualquer coisa como sete milhões de hectolitros – ficar anualmente «em casa», o que cria problemas de armazenamento a cada campanha.

250 castas em Portugal

Por sua vez, Antero Martins, professor do Instituto Superior de Agronomia, abordou a selecção das castas de videiras autóctones, considerando que, nesse aspecto, o país dispõe de «muitos factores para tirar partido da sua vitivinicultura». Existem no nosso país 250 castas, um pouco mais que em França (230), a grande maioria exclusivas e de alta qualidade. Quanto ao uso de clones, revelou haver no mercado 80 clones certificados de 13 castas e outros 70 de 11 castas a aguardar homologação oficial. Sendo um recurso vantajoso para os produtores, o especialista alertou os presentes para a erosão genética das castas. «Isto significa a perda castas e de genótipos (clones) dentro de cada casta. Ambas estão a acontecer actualmente a um ritmo catastrófico, de tal modo que, se nada for feito em contrário, Portugal passará rapidamente de uma situação de enorme riqueza em variabilidade para a da mais extrema pobreza», sublinhou. Antero Martins adiantou mesmo que a Rede Nacional de Selecção da Videira, com uma delegação em Pinhel, está a «fazer o que pode para inverter esta caminhada para o abismo». Segundo dados oficiais, actualmente 36 por cento das vinhas nas Beiras têm mais de 70 anos.

Luis Martins

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