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O urinol lascado

observatório de ornitorrincos

Comecemos pelos factos concretos (para podemos livremente terminar com a parvoíce abstracta): Pierre Pinoncelli, artista plástico de 78 anos, foi condenado a pagar cerca de 15 mil euros por ter danificado à martelada uma cópia do urinol de Duchamp em Janeiro do ano passado.

Depois do leitor se ter rido em barda com esta historieta, discutamos agora as coisas sérias. Ficamos a saber que um urinol, copiado daquele de Duchamp expôs num museu, custa três mil contos a reparar. O urinol de Duchamp, recorde-se, era um vulgaríssimo mijadouro que este senhor se lembrou de pôr num museu. Na realidade, muitos dos urinóis da hotelaria portuguesa são cópias do “original” do artista, pelo que alerto o leitor para o risco que corre de ser processado de cada vez que der uma mija numa porcelana branca situada à altura da pélvis.

É verdade que Pinoncelli deu uma marretada no urinol, mas no máximo o tribunal deveria ter condenado este “artista” a comprar um novo na Roca e expô-lo no museu. Isso sim, seria respeitar o espírito de Duchamp. Tenho para mim que o artista queria apenas ter um lugar onde pudesse aliviar-se à vontade e os críticos é que viram ali a origem do ready-made. Aliás, a própria expressão referia-se precisamente à rapidez da necessidade fisiológica – pronta-a-fazer – e não porque era uma peça já concluída. No fundo, cada vez que um de nós vai à casinha no café está a dessacralizar a obra de arte de Duchamp, numa espécie de dadaísmo quotidiano. Piero Manzoni defecou para uma lata e chamou-lhe “merda de artista”. Também os Status Quo eram uma “merda de artistas”, mas não é a discussão hoje aqui em causa. Na realidade, ninguém entende qual é a discussão aqui em causa, o que não deixa de ser um pormenor irrelevante. A verdade é que os artistas gostam de brincadeiras escatológicas. O juiz francês deveria ter escrito na sentença qualquer coisa como: “Os senhores artistas gostam muito de fazer merda, e foi o que o senhor fez com este urinol. Agora vá para casa e tenha cuidado com os cortes no bidé.”

O que me preocupa nesta ideia de que lascar um urinol é um crime contra o património artístico da humanidade é o tribunal francês apanhar estes meus textos e condenar-me por escrever tamanhas porcarias em papel de qualidade refinada.

PS: esta semana o texto é ligeiramente mais curto porque o artista foi em demanda de um galináceo ready-made, vulgo frango assado.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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