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O último fôlego dos Casais de Folgosinho

“Ainda há pastores?”, um documentário de Jorge Pelicano, foi exibido em Gouveia para os protagonistas

Hermínio foi ao cinema na última sexta-feira e gostou do que viu. O principal protagonista de “Ainda há Pastores?” teve tratamento de estrela e foi mesmo ovacionado na esgotadíssima sessão do Teatro-Cine de Gouveia, mas o mais jovem pastor dos Casais de Folgosinho, onde cuida de um rebanho com mais de 100 ovelhas, dispensa a popularidade gerada pelo documentário de Jorge Pelicano. A sua vida pode ter dado um filme, mas a fama não o governa. Ele tem outras preocupações lá no alto da serra: «A fama não me serve para nada. Se não estivesse aqui, ainda andava no curral a tratar das ovelhas», garante.

Hermínio Carvalhinho tem agora 31 anos e é a figura central de um relato desassombrado da vida dos últimos pastores naquele vale recôndito e preservado entre Gouveia e Manteigas. A luz eléctrica chegou há poucos anos, não há água canalizada, estradas alcatroadas e cada vez menos guardadores de rebanhos residentes. «Os novos não querem guardar gado e os velhos estão a desaparecer», sintetiza no filme João Grazina, de 82 anos. De resto, durante a rodagem do documentário, quatro famílias deixaram um lugar por onde Hermínio ainda faz ecoar a música de Quim Barreiros, o seu cantor preferido. A sua juventude e desassossego contrastam neste mundo à beira da extinção, tanto assim que também ele já vai pensando em mudar de ares. «A minha vida é muito dura, porque o gado é uma prisão muito grande. É de manhã à noite com as ovelhas», afirma, desejando apenas poder gozar os domingos ou os finais de tarde com os amigos. «Se andasse nas obras, à noite estava liberto e não tinha as preocupações que me dão as ovelhas. Mas esta é a minha vida, que remédio senão aguentá-la», acrescenta resignado.

Outro sonho de Hermínio, que saiu de casa dos pais há 11 anos por «não haver trabalho para todos», é formar família, mas o jovem pastor quer gozar primeiro a vida «enquanto for novo e vou gozando…», garante. Dois anos mais velho que o pastor, Jorge Pelicano sublinha que o objectivo do filme é «dar a conhecer esta gente simples e genuína que ainda existe e está perdida nos montes da Serra da Estrela». Mas o que este antigo aluno da Escola Superior de Educação da Guarda descobriu nos Casais de Folgosinho foi «um mundo completamente à parte do nosso» e um isolamento que o fascinou. «Apesar da dureza da sua vida, todos eles são pessoas muito felizes, talvez mais do que nós próprios», acredita, destacando o caso de Maria do Espírito Santo, de 82 anos, que ali vive sozinha e passa o dia a correr atrás do seu pequeno rebanho de três cabras. «Esta realidade dos Casais de Folgosinho vai desaparecer mais cedo ou mais tarde e já só poderá ser vista nos museus. Por isso, valorizem-na», desafiou Jorge Pelicano após a exibição do documentário.

Nesse sentido, o final de “Ainda há Pastores?” é sintomático, já que termina com fotografias antigas no Museu do Pastor e do Queijo da Serra em Celorico da Beira. Este documentário/reportagem foi galardoado, em Outubro, com o prémio Lusofonia e uma menção honrosa do Júri da Juventude na última edição do Cine’Eco, Festival de Cinema de Ambiente da Serra da Estrela. Depois de Gouveia, o filme foi ontem exibido no pequeno auditório do Teatro Municipal da Guarda e dia 24 na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa.

Luis Martins

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