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O triste fim de Cavaco

Editorial

Foram muitos os portugueses que contaram os dias que ainda faltavam para o fim do mandato presidencial de Cavaco Silva. E, quando finalmente chegou, foram muitos os portugueses que suspiraram de alívio.

Não porque haja alguma expectativa especial num futuro sem ele. Ou sequer que existam esperanças extraordinárias sobre o seu sucessor. Mas porque a maioria dos portugueses já estavam cansados do homem que «nunca se engana e raramente tem dúvidas» – e sim, todos esperam que Marcelo Rebelo de Sousa faça esquecer depressa o cinzentismo de Cavaco Silva.

O homem que teve duas maiorias para governar e foi eleito duas vezes para a Presidência da República (mais duas maiorias) despediu-se 36 anos depois com a mais baixa taxa de popularidade entre os ex-presidentes (por coincidência… Salazar esteve 36 anos seguidos no poder). Mas, pior que isso, sai pela “porta pequena”, sem aplauso nem afetos, sem veneração nem entusiasmos. A história pode reservar-lhe um lugar de destaque, mas a maioria dos seus contemporâneos quer esquecê-lo – dele recordam que foi o homem carrancudo que detestava a oposição, que odiava a liberdade de expressão, que respondia aos críticos com um «deixem-nos trabalhar», que mandava as polícias carregar sobre quem protestava, que aumentou as propinas para não dar oportunidade aos jovens e ao país, que destilava rancor sobre Saramago e odiava abril. Cavaco Silva optou pela reforma milionária para depois se “chorar” porque «mal» dá para pagar as despesas, num país onde o salário médio é de 800 euros e há mais de dois milhões de pobres. O homem que não era político viveu 36 anos em cima do poder e deixou um rasto de interesses (do BPN à urbanização da Coelha, cuja escritura omitiu). Foi inimigo de Sócrates (ao ponto de inventar uma história de escutas telefónicas), mas também não gostava de Passos ou Portas (suportava-os). E resistiu a empossar um governo de esquerda, como se dependesse da sua vontade – e, vingativo, fez um discurso vexatório na tomada de posse.

Mas Cavaco Silva também foi o homem que teve um plano de desenvolvimento para Portugal, assente no «betão». Que com os milhões que chegavam da Europa quis transformar a paisagem do país. Que fez obra um pouco por todo o lado. Que ligou finalmente Lisboa ao Porto por autoestrada e promoveu edifícios, pontes e estradas por todo o lado. Primeiro do que qualquer outro, percebeu que o povo vota em quem faz obra. E ele fez “obra”. Tanta que os milhões da Europa se esgotaram sem criar desenvolvimento sustentado, sem mudar de paradigma, sem promover o desenvolvimento social, cultural ou científico. Com Cavaco Silva, Portugal passou a ser um país embasbacado com a Europa, que afundou as frotas de pesca, que arrancou as vinhas e os pomares, que fechou os têxteis, em troca de tostões (ou milhões) mas matando o futuro de Portugal (o futuro há 25 anos é o presente hoje…).

O exemplo de Cavaco Silva confirma o quanto é ténue a linha entre o amor e o ódio, o quanto é frágil a ligação entre o cidadão e os seus líderes, o quanto é efémero o vínculo entre as pessoas e os políticos: teve muitos votos e muitos apoiantes, mas, no fim, todos lhe viram as costas, todos querem esquecer Cavaco.

Luis Baptista-Martins

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