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O Teste do Polígrafo

Quebra-Cabeças

Hoje é dia das mentiras. Poderia também passar a ser o Dia de Portugal e das Comunidades, tivéssemos nós, por uma vez na vida, um resquício colectivo de honestidade. A verdade é que o essencial da nossa sociedade assenta na aparência e na mentira. Gasta-se mais do que se ganha, exige-se o canudo dispensando os conhecimentos que geralmente lhe estão associados, “metem-se” atestados médicos para justificar faltas dadas por preguiça, fazem-se nas campanhas promessas que nunca se pensou cumprir, jura-se em tribunal antes de dar início ao habitual, geral, portuguesíssimo chorrilho de mentiras.

É preciso registar um prédio para se poder vender? Lá vem a justificação notarial, lá vêm as três testemunhas, a mentir em uníssono perante a indiferença do notário. Declaração de IRS de um empreiteiro? Salário mínimo, rendimento máximo, casa e carro a condizer. Clube a necessitar de financiamento e resultados? Facturas falsas, central de lavagem de dinheiro da corrupção, substâncias proibidas na água dos jogadores, envelopes recheados nas instalações destinadas aos árbitros, penaltis duvidosos marcados no último minuto. Empresas em dificuldades económicas? Sim, mas o gerente tem um jipe último modelo, telemóvel topo de gama e está apenas à espera de receber mais um subsídio (antes de declarar falência) para poder pagar a vivenda no Algarve.

Se ao menos a Justiça funcionasse… Mas o empreiteiro, o empresário, o dirigente desportivo, quando chegam a tribunal para serem julgados têm sempre pelo menos três testemunhas dispostas a mentir. É que, vendo bem o estado a que as coisas chegaram, há sempre alguém necessitado de outro disposto a mentir em tribunal que, por sua vez, está também muito necessitado de uma testemunha.

Imaginemos agora, por mera hipótese de raciocínio, que se introduzia em Portugal o uso do “polígrafo”. É um instrumento largamente utilizado nos Estados Unidos da América e que determina com alguma precisão se alguém está ou não a mentir. Avalia uma série de dados, como a pressão arterial, as pulsações, o ritmo da respiração, a actividade electro-dérmica, comparando-as com os dados típicos (avaliados estatisticamente) de uma pessoa que está a dizer a verdade. A ideia básica é que quem mente está em stress e que esse stress pode ser avaliado e denunciado. A utilização de um instrumento desses nos nossos tribunais teria no mínimo um efeito dissuasor. Imaginemos que os intervenientes do processo Casa Pia se sujeitavam ao teste. Que sobraria para julgar?

O problema está precisamente aí, em mecanizar a justiça, em subtrair-lhe o elemento humano e os erros que lhe estão associados. Seria certamente inconstitucional e teria a objecção veemente dos muitos milhares de vigaristas que tomaram de assalto este país, tal como a teria de muitos cidadãos honestos e bem intencionados. É que a validade científica dos resultados seria sempre discutível e nunca se poderia ter a certeza. Seria sempre preferível ter três peludas e mentirosas testemunhas a termos de nos sujeitar ao veredicto de uma máquina. As máquinas são falíveis, não são? E mentem, que ser falível é mentir, não é? Deixemo-nos então ficar como estamos.

Por: António Ferreira

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