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O sofisma como uma das belas-artes

Selecção Natural

Como já tínhamos previsto, o desespero dos defensores do “Não” em trazer novos soundbytes para a discussão pública vai-se tornando mais notório. Agora, não hesitam em recorrer à chantagem, à contabilidade de merceeiro, ao populismo mais rasteiro. Só falta aparecerem os milenaristas para ajudar à festa. A última novidade é o anúncio de um catastrófico aumento dos impostos, se ganhar o “sim”. Sobre o tema, leia-se uma excelente desmontagem em http://cachimbodemagritte.blogspot.com.

Noutro plano, ainda deste mundo, mas já com letra sacada sobre o outro, apareceu recentemente o Bispo de Viseu em homilia televisiva. Soube-se que o prelado descortinou três perguntas numa só: aquela que vai ser submetida à apreciação dos portugueses. Dessas três, jurou a pés juntos que votaria a favor na 1ª – a despenalização da mulher – e contra nas outras duas. Ao princípio, pensei que estaria com problemas de audição: um representante da Igreja Católica vir dizer que despenaliza a mulher é o grande acontecimento desta instituição desde o Concílio de Niceia! Mas o entusiasmo logo arrefeceu, às mãos da real politik. Afinal, este clérigo, em três minutos, conseguiu uma proeza hercúlea: condensar a habilidade, a teologia e a retórica. Senão vejamos: primeiro divide o que é uno (que outra coisa não fez o cristianismo?); acto contínuo, santifica uma parte e demoniza a outra; no final, para compor a contabilidade, concede a parte mais pequena e guarda a maior, numa genial operação aritmética. Desse modo, aquilo que já se defendia e se quer continuar a defender continua intocado, mas dando a ilusão que se “cedeu” em qualquer coisa. Ou seja, é preciso que alguma coisa pareça que mude para que tudo fique na mesma. Brilhante! À atenção de homens de negócios, correctores da Bolsa, políticos em tirocínio e advogados rebarbativos. Entretanto, sua Excelência “despenalizou” as mulheres. O que indicia duas coisas: 1º que as mulheres que sofrem lesões graves por via do aborto clandestino vão começar a aparecer miraculosamente curadas; 2º que o direito penal ainda não é disciplina leccionada nos seminários.

Coisas estranhas

A euro deputada Ana Gomes continua a brindar-nos com amostras do agit-pro decalcadas da esquerda jurássica que tão bem conheceu na juventude. Desta vez, a senhora foi à Base das Lages, para, ao que parece, observar in loco as condições de trabalho dos funcionários nacionais. By the way – ele há mesmo coincidências felizes – sussurraram-lhe ter visto e ouvido umas “coisas estranhas”, envolvendo aviões americanos de passagem na calada da noite, carregados de prisioneiros com grilhetas. Que correu, célere, a relatar à comunicação social. Se já nem no partido a que pertence a levam a sério, esperará a ex-diplomata que alguém o faça, para além de meia dúzia de cabalistas e adeptos de ficção científica? Proponho então que, doravante, o Parlamento Europeu nomeie a insigne deputada para dirigir comissões de investigação às “aparições” do Entroncamento, às casas assombradas que enxameiam o país e ao “mistério” do esvaziamento súbito das carteiras dos portugueses. Decerto ficaria bem na fotografia.

O padre incendiário

O pároco de Castelo de Vide, de dedo em riste, anda a distribuir panfletos inflamados pelas suas ovelhas, a propósito do referendo que se avizinha. O mais ousado continha um rol de sanções para os votantes no “sim” e ainda para as mulheres que praticaram ou venham a praticar o aborto. Assim, para os primeiros reserva a excomunhão pura e simples. Com tarifa incluída. Para as madalenas que abortaram, isso constitui pecado mortal, sem apelo nem agravo. Não podendo sequer ser enterradas em solo sagrado. A não ser que mostrem um arrependimento “sincero”, acompanhado de várias penitências para ajudar. Aos que se abstiverem estará reservada uma pena mais ligeira. Certo é que, implicitamente, estão a ajudar o “mal”. Mas o pecado é simplesmente venial, podendo ser redimido com algumas ave-marias e umas esmolas substanciais. O edictum terribilis é omisso em relação aos putativos pais das crianças. Pois é, o seguro morreu de velho: sabe-se lá se algum deles não se chama Amaro e veste de preto?

Por: António Godinho

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