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O simples é bonito

Editorial

Há vinte anos, na génese deste jornal, escrevi vários artigos de opinião e intervim em diferentes palcos em defesa da requalificação do centro da cidade, nomeadamente daquilo que timidamente chamei várias vezes de “centro cívico da Guarda”. Defendi então a necessidade de «regenerar o centro da cidade, e assim dar um impulso decisivo para melhorar o perfil internacional da Guarda (que continua adiado apesar de ser uma cidade de fronteira), aumentar a autoestima dos guardenses, reanimar a cultura urbana, renovar o comércio tradicional e dinamizar o turismo». Em 2002, a propósito das comemorações do dia da cidade, convidei alguns arquitetos amigos a refletirem, escreverem e desenharem intervenções em alguns pontos da urbe, que publicámos na edição de O INTERIOR de 22 de novembro desse ano. Entre as muitas sugestões que deixámos à cidade, e que então serviram parcialmente de base a um dos melhores discursos “do dia da cidade”, do então presidente da Assembleia Municipal, José Igreja, apresentámos esboços e memória descritiva para revitalizar o eixo da Igreja da Misericórdia ao Jardim José de Lemos. Os arquitetos Cláudia Quelhas e João Madalena apresentaram um ensaio sobre a necessidade de tirar carros (à superfície) do “centro cívico” e desenharam um jardim diferente com estacionamento subterrâneo – uma oportunidade perdida. E a arquiteta Salete Marques imaginou o largo da Misericórdia qualificado, moderno, sem barreiras, limpo, com zona pedonal alargada e vias estreitas para os carros. Os seus desenhos, que publicámos em primeira página, levavam cor e vida ao centro da cidade. Sugestões que o executivo de Maria do Carmo Borges não considerou e caíram no esquecimento.

Dezasseis anos depois, foi apresentado, finalmente, um projeto de intervenção, com o mesmo conceito de regeneração urbana e sentido de eliminação de barreiras, revitalização urbana, vida social e redução do espaço para o automóvel (os táxis passarão para o outro lado do largo, mas deviam ir para as ruas adjacentes – Vasco da Gama e Marquês de Pombal). O projeto do arquiteto António Barbosa, com a colaboração do arquiteto João Madalena, devolve singeleza e sociabilidade ao centro cívico e tem, como o que há vinte anos aqui sugerimos, uma noção de “território” do cidadão, de vida urbana, de praça aberta para as pessoas (num momento em que o comércio tradicional da Guarda vê encerrar uma das lojas mais emblemáticas da cidade: a “Conde & Gião”). Depois do equívoco na rua do Comércio (cuja intervenção, há pouco mais de um ano, com um “estendal” de luzes que mudavam de cor – entretanto ficou só a luz branca – e com uns caixotes que eram uns mamarrachos – entretanto, discretamente, retirados), ao projeto apresentado faltam árvores e elementos atrativos (arte), mas tem luz, elimina barreiras e desnível grotesco e potencializará o sentido de pertença ao espaço como uma sala-de-estar citadina. Será um piano onde os guardenses se poderão reencontrar. Simples.

Luis Baptista-Martins

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