Arquivo

O sexto sentido da Feira de São Bartolomeu

Bruce Willis não sabe que morreu e continua a “viver” como se nunca tivesse morrido. Malcom Crowe é o personagem desempenhado por Willis no filme “O Sexto Sentido”. E também uma metáfora que bem descreve aquilo que se passa com o modelo em que continua a assentar a Feira de São Bartolomeu, em Trancoso, que culminou no passado fim-de-semana. Morreu mas, sem sentido, ainda acredita viver.

Muitos destacam o cumprimento das tradições. Até mesmo o meu conterrâneo e proeminente político Daniel Joana, aqui neste jornal, destacou «as mais genuínas tradições», entre as quais incluiu «as tasquinhas e a venda de bugigangas». O problema é que as “bugigangas” não passam de “típicos” produtos chineses e de “clássicos” artefactos e ornamentos de inspiração africana. Já agora, os carros usados farão também parte de alguma tradição? As tasquinhas, outrora pagas a peso de ouro por quem se acotovelava para as poder explorar, são hoje em número diminuto e exploradas por associações locais. A oferta é praticamente indiferenciada e, por melhor que seja a vontade dos envolvidos, a qualidade não é um predicado.

Outros realçam a antiguidade do evento como elemento diferenciador. Claro está, todos percebem qual é a importância da história. Veja-se o Partenon em Atenas, ou o Coliseu em Roma. Reles dos viseenses que nos querem roubar o epíteto de mais antiga feira franca do país e assim afastar as hostes que facilmente desmobilizam, confrontadas com um evento que, afinal de contas, não é “O” mais antigo. Sabe-se bem que a antiguidade é um posto.

E, posto isto, a Feira de São Bartolomeu não é, de há vários anos a esta parte, uma festa capaz de mobilizar (isto se excetuarmos a família Carreira, que em Trancoso sempre consegue registar casa cheia). Não há ninguém que compareça a este evento senão numa lógica, aqui sim, de tradição. Se a feira tivesse metade dos expositores e das diversões, a média de afluência não seria muito diferente.

O problema reside num modelo petrificado nos idos 90. É precisamente esta perceção (aparentemente não ainda por parte dos responsáveis pela organização) que leva ao crescentemente menor interesse por parte de expositores e profissionais de restauração. Nem com espaços de exposição gratuitos muitos empresários se sentem aliciados. Algo vai mal quando a lei da oferta e da procura já não se aplica, especialmente num evento pretensamente dinamizador da economia de uma região.

PS: (nota ainda mais pessoal) Em benefício de duas semanas que agora são 10 dias, foi tolhido dos trancosences o espaço do antigo “campo da bola” a que agora se chama, e bem, de “campo da feira”. Onde falta verde e pontos de lazer há um piso feio e de fraca qualidade que durante o ano serve de macro estacionamento para automóveis imaginários. A lógica de continuidade que devia ter sido garantida entre o parque municipal e as Portas d’El Rei foi negligenciada em detrimento de uma feira sobredimensionada e bacoca. Podem sustentar que serviu para acolher um fenómeno socioeconómico crucial para a vila (sempre direi vila), mas continuo a achar que é a prova do nosso atraso.

Por: David Santiago

Sobre o autor

Leave a Reply