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O SAP faz mal

Esferorragia

O SAP (Serviço de Atendimento Permanente) é um serviço do Centro de Saúde da Guarda e foi criado, tal como nos outros sítios por todo o território nacional, para colmatar deficiências de acesso ás consultas dos médicos de família nos centros de saúde garantindo assim que em quaisquer circunstâncias todo o utente do SNS (Serviço Nacional de Saúde) deverá ver o seu “problema” resolvido de um modo (com o seu próprio médico o que é sempre desejável) ou de outro (pelo SAP).

Desde logo convém adiantar que o SAP não é um serviço de urgências, que pressupõe uma situação clínica carente de cuidados imediatos, embora em muitos locais nomeadamente nos concelhos onde não existe hospital com serviço de urgências acabe por na prática assumir também (ou só) essa responsabilidade. Assim, nos locais como na Guarda em que existe um hospital de nível distrital com serviço de urgências o SAP deveria ser tão só e apenas um serviço de recurso de substituição do médico de família no caso do acesso a este ser de todo impossível por ausência ou manifesta impossibilidade de atendimento devendo então servir para responder a todas as tarefas que competem àquele tais como consulta médica, renovação de receituário crónico, renovação de declarações de incapacidade temporária para o trabalho (vulgo baixas ou atestados), procedimentos burocráticos vários (guias de transporte por exemplo), transcrições de exames complementares de diagnóstico necessários e eventual referenciação para outro nível de cuidados (consulta externa hospitalar ou serviço de urgências havendo razão para isso).

Por razões várias e que não cabe aqui discutir (pelo menos agora) foi há anos o SAP da Guarda deslocado do seu “habitat” natural (o Centro de Saúde) para as instalações do Hospital Sousa Martins com aparentes benefícios para todos (incluindo os utentes) medida essa que eu próprio saudei como benéfica tendo no entanto e com o “passar da carruagem” vindo a descrer da sua funcionalidade sentindo-a mesmo como prejudicial.

Vejamos:

– Não há consulta médica de qualidade sem suficiente conhecimento do doente pelo que se torna imperativo o recurso ao processo clínico que não está no SAP mas no Centro de Saúde. Não são tomados em conta aspectos fundamentais como antecedentes pessoais e familiares, medicação habitual e planos de actuação anteriormente estabelecidos para cada paciente. Daí decorre uma insuficiente avaliação da situação clínica (sobre ou subvalorizaçao da real situação) com riscos de medicação desajustada ou adiamento de procedimentos técnicos subsequentes por exemplo. Além disso induz o “facilitismo” por parte dos utentes que vendo ali uma escapatória à seca que presumem apanhar no Centro de Saúde, ou querendo ser atendidos por outro médico que não o seu por razões que só eles sabem ou pior ainda por julgarem estar a ser atendidos no hospital-urgências pensam ser melhor atendidos e com possibilidade de fazer logo ali uns examezitos que acham importantes, terão tendência a sobreutilizar esse serviço aumentando ainda mais a pressão sobre os prestadores que por sua vez e não tendo responsabilidades posteriores em relação à situação poderão ter tendência a facilitar e “despachar o serviço” menos criteriosamente.

– Não é possível solicitar exames complementares de diagnóstico que se julguem necessários para realizar em ambulatório pelo que o paciente terá forçosamente que voltar ao Centro de Saúde e ser avaliado pelo seu médico de família tratando-se portanto de uma perda de tempo, de uma duplicação de funções e de um adiar do problema com potenciais prejuízos para a saúde.

– Não é possível a realização de procedimentos burocráticos vários pelo que igualmente o utente terá que voltar ao Centro de Saúde como no caso anterior.

– Não é possível a referenciação directa para as consultas hospitalares ou tratamentos noutras instituições (fisioterapia ou litotrícia, por exemplo) pelo que mais uma vez o doente terá que ir ao seu médico de família com as perdas e riscos atrás anunciados.

Assim e em resumo o SAP acaba por não corresponder cabalmente ás funções que supostamente haveria de cumprir funcionando um tanto atabalhoadamente como válvula de escape de um sistema disfuncionante e servindo por vias travessas de triagem do serviço de urgências.

Julgamos que melhor seria encontrar formas de organização de prestação de cuidados primários de saúde que optimizem a acessibilidade dos utentes à consulta com o seu médico de família (que diga-se em abono da verdade tem sido melhorada), devolver o SAP (que seria menos necessário) à procedência atribuindo-lhe toda a capacidade de resposta de que está amputado e reforçar as equipas de urgência com eventual recurso aos médicos de família implementando um eficaz sistema de triagem hospitalar.

Tudo o que atrás foi dito não põe em causa o empenho e competência dos prestadores de cuidados de saúde e nomeadamente dos médicos que no SAP da Guarda e apesar de tudo vão fazendo os possíveis.

Por: Vasco Queiroz

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