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O Regresso

Quebra Cabeças

Contrariamente ao sugerido no anúncio que tem passado na televisão, este verão não vai deixar saudades. Houve de tudo a correr mal: a primeira derrota em futebol com a Espanha em 45 anos, ainda por cima acompanhada de baile; uma vaga de incêndios que mostrou o verdadeiro estado da nossa floresta e a nossa incapacidade para a defender; o perigoso falhanço da cimeira de Cancun, em que se perdeu mais uma oportunidade para repor alguma justiça no comércio internacional.

Depois de um verão como este merecíamos um regresso ao trabalho tranquilo, mas não o vamos ter. Muito mudou, para melhor e para pior, e vamos ter de nos adaptar às mudanças.

Nos tribunais, vai entrar em vigor o novo modelo de acção executiva. Nesta, com a criação da figura do “agente de execução”, desempenhada por solicitadores, começou-se a privatização da Justiça. Esta tinha já um problema de inserção numa sociedade regida por princípios democráticos e representava o único dos poderes que fugia ao escrutínio directo dos cidadãos. Com esta “privatização” o problema agrava-se: a parte decisiva do processo, aquela em que se vê se tudo valeu ou não a pena é entregue a empresas e é regida pela lógica do lucro. Neste aspecto vai ser um sucesso: com as custas e encargos acrescidos, muitas são as execuções que deixam de ter sentido e de que os credores vão desistir. Um nicho de mercado em perspectiva para as cobranças por outros meios?

Nas escolas também vai haver revolução. Até aqui, pelo mecanismo dos chamados mini-concursos, as escolas conseguiam reter parte dos horários a redistribuir depois, tantas vezes, por amigos e afilhados. A partir do momento em que as escolas tiveram de integrar todas as suas horas lectivas num único concurso nacional, centralizado no Ministério da Educação, aqueles horários deixaram de poder ser manipulados. É este um caso em que a centralização se revela mais justa e mais eficiente do que a delegação de poderes. Houve momentos em que se falou da possibilidade da gestão das escolas, incluindo a contratação e dispensa de professores passar para a mão das autarquias. Vendo a forma como muitas escolas são geridas, à base de caciquismo e tráfico de favores, tem de se recusar liminarmente essa possibilidade: há sinergias demasiado perigosas.

Por: António Ferreira

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