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O que seria de nós sem os senhores que nos governam?

Ladrar à Caravana

O Senhor Professor Cavaco, em linha com a sabedoria instituída, decretou que até está de acordo com o princípio do utilizador-pagador, excepto – atenção! – excepto na terra dele. Porque não há alternativas que não passem no meio das localidades. O que é chato, convenhamos.

Pois aqui se vê a sabedoria do Senhor Professor. Ele até declarou isto no Fundão, que é um sítio, como se sabe, ricamente servido de estradas e vias de acesso alternativas à A23. Se fizermos de conta que todas essas alternativas não passam pelo meio do Fundão, de Alpedrinha, Vila Velha de Ródão, Nisa, Alvega, Abrantes ou Constância, podemos aplaudir a justeza da aplicação do tal princípio do utilizador-pagador. Ou então, lá teremos de fazer coro com o Senhor Professor e entrar na dança do confronto ao governo. Que, coitadinho, se desunha para nos governar.

Na mesma linha de pensamento, acho que se poderia alargar o conceito e a prática aos passeios. Inventava-se o princípio do andador-pagador. É que os passeios precisam de manutenção, custam dinheiro aos contribuintes e se eu não ando nos passeios de Mértola ou de Gondomar, porque hei-de estar a pagar os passeios daqueles gajos? hã? Assim a malta comprava uma via verde para pedonar e cada freguesia recebia e cobrava imposto de locomoção em função da quantidade de gente que desgasta os passeios, entope as ruas e esquinas a dar à língua, se arrasta a velocidades inaceitáveis ao ver as montras, etc. Claro que se podiam inventar uns regimes de excepção, vales desconto para reformados da Administração da Caixa Geral de Depósitos e outros pobrezinhos sortidos, e um sistema de tarifa agravada para tertúlias de velhotes e grupos de mulheres em circuito de shopping. Era um modo de obrigar as pessoas a racionarem os seus movimentos, mantendo-as nos empregos ou em casa, reduzindo o desgaste dos equipamentos colectivos que tanto nos custam a pagar. E em casa ou no trabalho, a malta acaba por arranjar alguma coisa com que se ocupar, a trabalhar, por exemplo, ou a ver a bola ou a Quinta das Celebridades. E enquanto estão entretidos não se metem em política. Que é coisa para pessoas sábias e sensatas como o Senhor Professor Cavaco.

Como sábias são as habilidades que alguns autarcas aprenderam com a anterior ministra das finanças, quando ela vendeu a dívida pública portuguesa a um banco. Agora, para já na Maia e na Covilhã, mas com óptimas possibilidades de alastrar como a sarna pelo país inteiro, vendem-se aos bancos as rendas de habitação social dos próximos 25 anos. O nome da operação é magnífico e dá a ideia de se tratar de uma coisa séria, e até científica: “financiamento sobre créditos futuros”. Fixe. Mas porquê parar por aqui? Por que não antecipar já as derramas, a contribuição autárquica, o imposto de circulação? Posso começar já a pagar ao banco a taxa de saneamento de 2040, ou o selo do carro da minha filha, que ainda só tem dez anos, mas que daqui a oito já deve ter um carrito…

Para quem acusa o governo Guterres de atirar os sarilhos para as calendas, e quem cá andar que pague a conta, não está nada mal. Coerência, senhores, coerência é a marca registada destas pessoas magnânimas. Que seria de nós sem elas?

Por: Jorge Bacelar

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