Arquivo

O que querem PSD e BE?

As eleições europeias são como as eliminatórias da Taça de Portugal: jogos menores onde os pequenos fingem que são grandes. Mas, apesar desta importância relativa, as eleições de domingo passado podem ser vistas como o prenúncio de mudanças históricas.

Em “Partidos e Democracia em Portugal – 1974-2005” (ICS), Carlos Jalali identificou as duas principais características do nosso sistema partidário, a saber: a impossibilidade de alianças entre o PS e a restante esquerda; a indiferenciação entre PSD e PS. Não por acaso, estas duas características têm a mesma raiz: a violenta transição democrática. Devido às arestas pontiagudas do PREC, a clivagem ideológica da nossa democracia não se deu entre a esquerda democrática (PS) e a direita democrática (PSD), mas entre forças democráticas e forças autoritárias (PCP). O PSD e o PS lutaram pela democracia liberal contra a democracia cubana do PCP. Neste ambiente armadilhado, o PSD aprendeu a não se distinguir do PS. No final destas contas da transição, a III República ficou livre do comunismo, mas adquiriu dois partidos socialistas: o oficial e o sósia laranja.

Olhando para os resultados das últimas eleições europeias, podemos dizer que existem condições para o estilhaçar destas doenças infantis do PREC (uma-direita-que-é-de-esquerda; proibição de alianças à esquerda). Tudo vai depender da coragem do PSD e da honestidade do BE.

Se quiser dar algum sentido à sua vitória de domingo, se quiser gozar uma segunda vida, o PSD tem de assumir uma posição liberal-conservadora, em oposição ao estatismo do PS. Manuela Ferreira Leite (MFL) tem de criar uma narrativa diferente da narrativa socialista. Não chega vender a tese da seriedade. Neste momento, MFL só tem um trunfo na manga: representa a velha seriedade do ábaco perante a manipulação do power point socrático. É bom, mas não chega. O PSD tem de seguir um dos motes que Paulo Rangel utilizou na campanha: “chega de socialismo na sociedade portuguesa”. O PSD não pode voltar ao poder na condição de sósia do PS.

Perante o peso eleitoral do BE, uma coligação governamental PS/BE tem de ser encarada como uma hipótese plausível. Neste sentido, o BE deve assumir uma atitude mais responsável. A terceira força política do país não pode continuar a ser um clube onde uns ‘meninos bem’ expiam os seus complexos de culpa. O BE quer ser um partido para chegar ao poder, ou quer ser uma agremiação para chegar aos media? É muito fácil (e irresponsável) permanecer no premonitório da pureza moral, acima daqueles que governam. Mas isso não é política. É populismo cool. Se quer ser sério, se quer ser homenzinho, o BE tem de começar a sujar as mãos, isto é, tem de assumir o estatuto de possível parceiro de coligação num governo PS/BE. Por outras palavras, o tal ‘arco governativo’ deve estender-se até ao BE. Para que isso suceda, o BE tem de esquecer o populismo irresponsável. Para que assim seja, Louçã tem de perder a liderança do BE. Mas deixemos este ponto para outra crónica.

Por agora, importa fixar o seguinte: o sistema partidário que fez a transição não está a responder às necessidades da consolidação. A nossa democracia consolidada não pode continuar a viver dentro da arcaica clivagem ‘arco governativo’ versus ‘maluquinhos revolucionários’. PSD e BE têm de assumir as suas responsabilidades, digamos, ideológicas.

Por: Henrique Raposo

Sobre o autor

Leave a Reply