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O que parece é?

Quebra-Cabeças

A fórmula de Salazar que inspirou o título desta crónica (“em política, o que parece é”) encerra o mesmo princípio da “teoria da impressão do destinatário”, bem conhecida dos juristas: uma declaração (um acto) tem o significado que teria para o destinatário normal. O declarante comum, por isso, não pode deixar de contar com o entendimento que qualquer dos ouvintes irá normalmente dar às suas palavras ou aos seus actos. Se na política se trata sobretudo de aparências e impressões, aí é o sítio também em que se deverão medir com o máximo cuidado todas as palavras e todos os actos. É por isso que a um político de nada vale negar o que a opinião pública já deu por certo.

Parece certo que a filha de Martins da Cruz fez uma pretensão de legalidade mais que duvidosa, a qual foi deferida por ser filha de quem é. Os ministros envolvidos vieram depois defender a sua posição no caso. Lynce, que viria a demitir-se, diz que assinou de cruz. Mas diz também que hoje voltaria a tomar a mesma decisão com base no mesmo entendimento jurídico (que não deve ter lido, se é verdade que assinou de cruz), o que leva à inevitável pergunta: então, porque se demitiu?

Martins da Cruz, que se demite também, mas com atraso, deu a sua “palavra de honra” em como não teve conhecimento de nada (do pedido feito pela filha ao seu colega de governo). Por pouco daria a sua “sincera palavra de honra de Homem” (expressão de que desconfio particularmente), com voz grave e uma mão no peito, mas há limites para tudo.

A coisa complicou-se com a revelação pela SIC de que houve uma lei, feita aparentemente à medida da filha de Martins da Cruz, que foi apresentada duas vezes (e duas vezes foi reprovada, honra seja feita aos assessores jurídicos de Pedro Lynce) pela mão de um personagem até aqui incógnito: o chefe de gabinete do ministro da Ciência e do Ensino Superior, alegadamente em trânsito para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde iria servir Martins da Cruz. Este último seria assim, de acordo com a regra de Salazar e pesem embora as invocações à sua palavra de honra, o responsável máximo por todos estes lamentáveis acontecimentos.

Longe de tudo isto estão os políticos locais. Mas não é que começa a parecer que o PSD está tão interessado na concretização da plataforma logística como o parece estar o PS na construção do novo Hospital? Ou não devemos acreditar, nestes dois casos, nas aparências?

Por: António Ferreira

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