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O PS e a democracia

Região e Razão

Creio não errar se disser que o presente debate em torno da eleição do próximo secretário-geral do PS marca uma viragem na relação entre os partidos políticos e a opinião pública portuguesa. Isto é, o debate está a funcionar como se o PS estivesse a disputar primárias. No total, durará quase três meses. Todos os dias os meios de comunicação dão conta dele. É um assunto que está a ocupar diariamente a agenda política nacional. Todos os cidadãos, e não só os militantes, têm acesso directo às moções e aos documentos dos candidatos através dos respectivos sites. Aliás, é maior a informação que circula na imprensa nacional e na Internet do que a que é veiculada pelos circuitos internos. Sucedem-se as tomadas de posição de militantes, mas também de colunistas externos ao PS, acerca das candidaturas. Tudo acontece em exposição total. O bom e o mau. O importante e o secundário.

Não me lembro de uma campanha assim, nem no PS nem fora dele.

Por que razão estará isto a acontecer? E que significado tem?

A verdade é que o exercício da política tem vindo a sofrer grandes mudanças. Tal como a sociedade. E uma das dimensões que mais profundas transformações está a conhecer é a da comunicação. Hoje as sociedades modernas possuem um subsistema «industrial» de produção de informação com características tais que o tornam um dos mais importantes subsistemas sociais. «Quarto poder»? Mais do que isso. Ele é capilar, difuso, omnipresente. É instantâneo e está sempre «on line». É poderoso porque é ele que alimenta em permanência a superestrutura simbólica das sociedades. E porque já se constituiu como o verdadeiro espaço público das sociedades modernas, tornando residuais a rua e as praças.

É, pois, natural que um partido como o PS, tendo como horizonte o futuro, procure assumir como sua exigência interna também a lógica de uma comunicação aberta, tal como ela se exprime na sociedade moderna. Poderia não fazê-lo, como o PCP. Mas fez bem em assumir, em todas as suas consequências, boas e más, este debate aberto e alargado ao conjunto da sociedade. Afinal, este é um partido que aspira a governar de novo Portugal e, por isso, tem o dever de expor com clareza e transparência não só o seu programa para o país como também a sua própria filosofia política, a sua dimensão ético-política e político-ideal, as suas dinâmicas internas, os seus métodos, as suas sensibilidades, as suas personagens principais. Os seus problemas.

Há muito – desde a disputa entre Guterres e Sampaio – que este partido não conhecia uma dinâmica interna tão forte. Conhece-a agora naquele que é o mais longo e público debate eleitoral da sua história. Um debate que, em meu entender – e apesar dos inevitáveis excessos que sempre se verificam quando está em causa uma liderança politicamente tão relevante como esta – só favorece o PS e a própria democracia portuguesa.

Outra coisa é saber, em tal debate eleitoral, qual é o melhor líder para o PS. Não iludo a questão, e digo-o frontalmente: para mim, o melhor líder é José Sócrates.

Já tive ocasião, no plano nacional, no “Diário de Notícias” (20.08.2004, pág. 10), de dizer por que considero José Sócrates o melhor líder para o PS, fundamentando a minha posição na análise da sua prática governativa durante seis anos e meio. Sintetizo. José Sócrates teve intervenções marcantes nas áreas da defesa do consumidor, da toxicodependência e do ambiente: a) fez a lei dos serviços essenciais, a regulamentação do chamado «correio do lixo» (junkmail), a lei da actualização automática do valor seguro e a da proibição das cauções relativas ao fornecimento da água e da electricidade; b) foi o mentor da estratégia nacional de luta contra a droga que viria a consagrar a opção legislativa pela despenalização do consumo; c) inovou com o programa Polis, acabou com as lixeiras, completou a Rede Natura, enfrentou com determinação o problema dos resíduos industriais perigosos (a famosa co-incineração). Finalmente, d) trouxe para Portugal o Euro 2004.

Estas medidas, tomadas quando tutelou os respectivos dossiers, falam por si e exprimem uma prática política virada para os novos desafios, para as novas fracturas e para os novos sujeitos emergentes. Consumo, droga, ecossistema, cidades – são frentes de combate extremamente duras, difíceis e complexas, exigindo, por isso, não só determinação e visão estratégica, mas também abertura a soluções inovadoras. Ele demonstrou possuir estas qualidades.

No plano regional, as Beiras ficaram a dever-lhe o enorme empenho que pôs para que se concretizassem a A23, a Faculdade de Medicina da UBI, na Covilhã, o Polis e as Águas do Zêzere e Côa, na Guarda, o Centro de Produção da Beira Interior da RTP, em Castelo Branco. A forte ligação afectiva às Beiras constituiu sempre um grande suporte à sua persistente luta em defesa de um interior com graves problemas de desenvolvimento. Quem hoje viaja frequentemente de Lisboa para Castelo Banco, Covilhã ou Guarda logo compreende a importância, para a sua economia doméstica ou de empresa, das medidas de discriminação positiva regional por que ele se tem vindo sistematicamente a bater.

É certo que João Soares fez um bom trabalho em Lisboa e que Manuel Alegre é um poeta de renome. Mas não creio que isso possa por si só justificar a eleição de qualquer um deles. A escolha tem inevitavelmente de recair em quem tem mais capacidade para se afirmar na sociedade portuguesa, e não só no PS, como candidato a próximo primeiro-ministro. É isso que, realmente, está em jogo. E não só para o PS. Também para o país.

Por: João de Almeida Santos *

* Escreve mensalmente

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