Arquivo

O problema é político

Por baixo da tragédia dos números de Pedrógão Grande, começa-se a conhecer agora a tragédia de cada caso particular, de cada família, das decisões que foram sentenças de morte e que pesarão, como uma condenação perpétua, para os que tiveram por destino sobreviver aos seus. Uma pessoa põe-se a pensar: provavelmente teria feito as mesmas escolhas. Nunca se viu nada assim em Portugal. Tenha sido adequada ou não a coordenação da protecção civil, avaliação que terá de ser feita por quem a souber fazer e sem oportunismos políticos, as descrições do incêndio são descrições de uma violência poderosíssima, inédita. Chamas que precederam o fogo, ventos que se concentraram em tornados, uma velocidade de propagação nunca vista. É preciso lembrar quantas vezes que o aquecimento global está a mudar o clima do nosso país?

As condições meteorológicas que se sentiram em todo o centro do país eram de temperaturas bem acima dos 40 graus e ventos fortíssimos. Bastava uma faísca e um imenso fole atmosférico estava pronto para disseminar o fogo. A trovoada seca encarregou-se da faísca. Contudo, a trovoada seca pode ser “culpada” da origem de um fogo, mas culpada da tragédia de Pedrógão Grande não é nenhuma trovoada seca. O palheiro que a trovoada seca encontrou, o palheiro de monocultura de pinhal e eucaliptal que o trovão ou o fósforo intencional encontram tem-nos a todos como culpados por o permitirmos. Isto tem de mudar. Tem de ser possível mudar isto. Com lei capaz que regule a florestação e puna quem incumpre, com política de incentivos económicos a uma outra florestação, que não arda desta maneira, e que seja ecologicamente mais sustentável, com planos de contingência pormenorizados para as regiões densamente florestadas. Nos últimos anos, não se fez o suficiente na direcção certa. Pelo contrário, até se liberalizou a plantação de monocultura de eucalipto até aos dois hectares (Decreto-Lei n.º 96/2013). Os australianos, que não têm tanta densidade de eucalipto quanto Portugal, chamam à espécie que por cá prolifera “árvore gasolina”. É preciso mudar tudo. Porque o problema não são as trovoadas e os incêndios que elas provocam, nem sequer os autores de fogo-posto. O problema é político e se é político diz-nos respeito a todos.

Por: André Barata

Sobre o autor

Leave a Reply