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«O pessimismo da razão e otimismo do coração», Gramsci (1891-1937)

«Não. Definitivamente. As bruxas não existem. Não sou supersticioso. Não acredito em azares. Não me preocupo com a sexta-feira, seja treze ou qualquer outro dia do mês. Não entro com o pé direito, não como passas às badaladas do novo ano e nunca me preocupo com o facto de ter de passar por baixo de escadas. Não me preocupo se derramar sal na mesa e não acredito que virar o copo de vinho à mesa dá sorte. Até acho isso um contrassenso porque, logicamente, uma toalha com nódoas de vinho só serve para o lixo. Definitivamente. Não sou supersticioso, não acredito em bruxas, nem em bruxedos, nem em feitiços e muito menos em pragas e macumbas».

À evolução sempre necessária, e neste momento histórico exigido pela transformação social e pela maturidade da grei, para um mais amplo sistema de direito público, substitui-se tragicamente e de uma forma apressada o sistema, levando à quebra de tradições e à divisão dos homens em vencedores e vencidos.

A ausência de cultura, aliada à falta de consciência política global, gera bastardia irremediável do voto e a organização dos partidos não como expressões tendenciais dos grandes rumos de opinião pública, mas sim como simples associações utentes do poder, assentes na importância social da licenciatura e gerando uma nova forma de privilégio parasitário.

Os sistemas políticos nunca são perfeitos e a democracia só o será quando um grau de preparação económica, social e cultural do povo for determinante de uma consciência do direito político individual, e que no momento de ação resulte em vontade coletiva.

Cada novo messianismo na ação política, cada nova ideologia redentora, enche o povo de promessas e mesmo de realizações. Por um momento efémero domina a prole e arrasta os homens na sedução do novo ideal coletivo. Paulatinamente porém, a vida reflexiva e consciente retoma os seus direitos, a inteligência renova as suas perguntas, e os problemas renascem para a diversidade discutível das várias soluções.

E como o homem nesta fase só concebe a política em termos de ideal absoluto e redentor, e existe na forçosa circunstância de vencido ou de vencedor, a ação pública situa-se em coordenadas de “guerra”, de sentido de revolta ou de defesa a todo o custo.

Ser adversário político é sinónimo de inimigo pessoal. O partidário do poder, olha para os adversários como uma raça diferente, uma espécie de monstros capazes de todos os “crimes”. O adversário do poder, pelo seu lado, olha para os outros como uma tribo estranha, que se apoderou do mando ou de desmando nalguns casos.

O sentimento comum da existência coletiva o conceito de solidariedade, o ideal de uma vida comunitária e irmanada numa obra comum a construir em cada hora, são tropos literários, cuja verdade profunda jaz moribunda.

Até quando poderemos resistir à trágica divisão das pessoas, à triste dialética, à partilha do destino humano, na injusta base do vencido e do vencedor?

«Os capitalistas têm dinheiro e compram tudo: justiça, polícia, padres, governo, tudo. A gente só tem um capital: os companheiros», Jorge Amado, in “S. Jorge dos Ilhéus”.

Por: Fernando Pereira

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