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O passado é um país distante

Hoje vou fazer uma crónica que antecipa o outono.

Não vou aqui pôr-me de varredor de folhas em riste, mas vou trazer à lembradura o meu antigo companheiro de mesa de café, com bons resultados na aprendizagem, e meu explicador de matemática com resultados a raiar o desastroso, culpa assumidamente minha.

Joaquim Namorado, em junho, comemoraria cem anos, sempre recusou pactuar com o salazarismo tendo sido expulso da universidade lançando-o para enormes dificuldades que resistiu com enorme estoicismo. Para muitos dos que acham que “Salazar era preciso” lembrar que o que aconteceu com Joaquim Namorado sucedeu com centenas de professores, cientistas e intelectuais que tiveram que procurar mitigar as suas dificuldades noutras tarefas, recorrendo até ao recurso ao exílio em desespero e revoltados por uma Pátria que sempre lhe foi madrasta. Porque queria lembrá-lo neste centenário, eis a primeira oportunidade que tive depois deste estio envergonhado.

ANTROPOFOGIA: O poeta devorou a musa/ Roam-lhe agora os ossos. O CARUNCHO DO ETERNO: Se nós não existíssemos/Cervantes nunca seria imortal. SEBASTIANISMO: Bandarras nunca falaram/ Manhãs de nevoeiro também não…/ Quem tem faltado até aqui é o D. Sebastião. BULA: O dinheiro é obra do mafarrico/ comprando bulas/ come carne às sextas-feiras / o meu tio rico. A VIRGEM METAFÍSICA: Tinha os olhos tortos como um sofisma/ morreu engasgada com dois raciocínios seguidos/ AVENTURA NOS MARES DO SUL: Eu não fui lá… MILAGRE: Onde o santo punha o pé nasciam rosas/ …e o povo lamentava que não fizesse o mesmo com batatas. Joaquim Namorado (1914-1986)

O Verão ficou marcado pela morte do general Pires Veloso. Ao longo dos anos, e mau grado as nossas divergências ideológicas mantivemos sempre uma grande cordialidade e respeito recíproco. Fiquei triste com o seu desaparecimento, já que para além da estima partilhada fui sempre parceiro de conversas intermináveis de muitas tardes na acolhedora salinha da sua casa no Vale da Ribeira, em Celorico da Beira, ou bastantes vezes em restaurantes onde, para além da refeição, ele desfiava recordações, muitas vezes colocadas pela minha curiosidade e provocação, de quem viveu os tempos conturbados de 1974/75 de outro lado do espaço político do general Pires Veloso.

Há uns tempos tive oportunidade de ver em Coimbra uma exposição fotográfica relativa às campanhas de dinamização cultural do MFA, onde participei com grande espírito militante e recordei-me de uma série de situações que já me tinha esquecido e que me preparava para conversar com o general Pires Veloso ao tempo comandante da Região Militar Norte, lugar de mando com poderes enormes num contexto de grande efervescência num PREC nunca esquecido. Já não vai ser possível, restam as mesmas dúvidas!

Cabe-me também referir que o apego à agricultura do general deve ser enaltecido e com a sua morte desaparece mais um “teimoso” e até nisso o país e a região ficam mais pobre.

Estive muitas vezes contra ele, até com manifestações e votos em moções perfeitamente idiotas e pueris, mas o meu respeito por ele permanecerá no momento em que se vão perdendo os derradeiros “homens do 25 de Abril”, como ele se arvorava com legitimidade.

Por: Fernando Pereira

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