P – A chegada da Primavera resulta num aumento acentuado dos ingressos no CERVAS. Porquê?
R – A partir de Março tem início o ingresso de juvenis de várias espécies de animais, principalmente crias de corujas-do-mato, coruja-das-torre, mocho-galego, cegonhas-brancas, entre outras. Esta “afluência” prolonga-se até finais de Agosto, quando ingressam muitas crias de mocho-de-orelhas e uma grande quantidade de juvenis de grifo e até de abutres-pretos.
P – O que faz com que os animais necessitem de ajuda?
R- A maior parte destes animais são crias e juvenis. Normalmente, são encontrados por particulares que os entregam às autoridades ou directamente nos centros de recuperação. Apesar deste ser um procedimento correcto, pois a posse e manutenção em cativeiro destas espécies é ilegal e punida, também é muito importante que, aquando da entrega, seja dada toda a informação sobre o local exacto onde foram encontrados. É que, nalguns casos, poderá ser possível devolver as crias aos ninhos de onde terão caído.
P – Quantos animais já foram recuperados no Centro?
R – O CERVAS arrancou em Julho de 2006, tendo recebido até ao momento cerca de 350 animais vivos e mais de 250 mortos. A taxa de libertação ronda os 50 por cento. Já foi possível devolver à natureza mais de 160 animais de diversas espécies, algumas delas muito ameaçadas e de elevada importância em termos de conservação.
P- Qual foi o espécime mais raro acolhido no Centro?
R – Foi o abutre-preto, uma das três espécies de abutres que podem ser observadas em Portugal, mas que não se está a reproduzir no nosso país. Em 2007 ingressaram quatro indivíduos juvenis desta espécie classificada como criticamente em perigo e foram libertados três. O outro continua em recuperação após ter sido electrocutado e ter ficado com uma das asas gravemente ferida. Além desta, estão em recuperação vários indivíduos de espécies importantes como um bufo-real, recolhido em Vilar Formoso, ou um falcão-abelheiro e um grou encontrados feridos no distrito de Portalegre.
P- Qual é a espécie mais habitual? Porquê?
R – É o milhafre-preto, uma ave de rapina abundante no nosso país. Neste momento há cinco indivíduos em recuperação e todos são provenientes de cativeiro ilegal. Infelizmente, a prática de pilhagem de ninhos e manutenção de espécies protegidas em cativeiro ilegal ainda é frequente em Portugal, sendo a causa principal de ingressos no CERVAS. O milhafre-preto é uma das espécies que mais sofre com esse problema. A acção da autoridades, nomeadamente do SEPNA-GNR e das áreas protegidas, tem sido importante na apreensão destes indivíduos, mas é importante continuar a sensibilizar as populações para que estes animais não sejam mantidos em casas de particulares. O pintassilgo é outra espécie que sofre com o cativeiro ilegal e que é comum no CERVAS. Há ainda a coruja-do-mato, devido ao elevado ingresso de juvenis e aos atropelamentos.
P- As actuais instalações permitem responder ao elevado número de ingressos?
R – O número de ingressos tem sido cada vez maior e as instalações tornam-se mais limitadas, o que obriga a uma gestão muito rigorosa dos recursos (materiais e humanos) existentes. Neste momento há 35 animais em recuperação e grande parte deles deverá ser libertado brevemente. As soluções estão na construção de novas estruturas, tendo já sido desenhados dois novos espaços para os quais se está a tentar angariar financiamento. Trata-se de uma bateria de oito jaulas e da área de biotério, destinada à lavagem de material, à preparação de alimentos e armazém. Também estão a ser desenhadas novas jaulas de recuperação e um túnel de voo de grandes dimensões. Isto permitiria aumentar a capacidade do centro para a recepção de 350 animais vivos por ano e melhorar a taxa de libertação para os 55/60 por cento.
P- Quais os projectos para futuro?
R – Há vários em curso e que se pretende continuar a dinamizar, como o treino de voo e musculação de aves em pré-libertação, ou a criação de uma plumoteca e banco de penas, entre outros. No início de Junho teremos várias libertações de animais, como um gavião, cinco corujas-do-mato, um milhafre-preto e uma águia-calçada, que acontecerão em áreas tão diferentes como o Parque Natural do Douro Internacional ou Ílhavo.
P – E as principais dificuldades e necessidades do Centro?
R – Desde logo as instalações, mas também há uma grande limitação ao nível dos recursos humanos. A participação de voluntários, principalmente estagiários e investigadores, tem sido muito importante. A colaboração dos vigilantes da natureza do Parque Natural da Serra da Estrela no apoio à manutenção do centro também tem sido uma necessidade. Para melhorar o trabalho futuro é necessário manter esta dinâmica de recepção de colaboradores, mas é essencial aumentar os contratados. Paralelamente, prossegue a campanha de apadrinhamentos de animais por particulares e empresas, que tem sido gerida pela “Aldeia”, uma ONG que apoia muito o funcionamento do centro. Futuramente pretendemos alargar esta campanha a nível regional, nacional e até internacional.
P – A população está sensibilizada para a necessidade de preservação das espécies?
R – Ainda há muito a fazer, embora haja um aumento da sensibilização das populações locais em relação há 10 ou 15 anos. É necessário criar mais canais de aproximação das populações (principalmente em meios rurais) ao riquíssimo património natural que por aqui existe. O CERVAS/PNSE e todas as acções de sensibilização, principalmente através das libertações, podem contribuir para que a conservação da natureza e a educação ambiental possam ser trabalhados. As parcerias regionais que se estão a criar têm também esse objectivo.