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O “negócio” dos cogumelos

No Alto de Pêga (Guarda) está instalada uma das raras empresas nacionais no mercado dos cogumelos silvestres

No concelho da Guarda está sediada uma das raras empresas nacionais que fura o circuito existente no mercado dos cogumelos silvestres. Chama-se Eurofunghi e está situada no Alto de Pêga. O grosso da produção (mais de 80 por cento) vai para o mercado espanhol e o restante para as cozinhas italianas, francesas, suíças e holandesas. No nosso país ainda há muito receio de os comer e, por isso, os portugueses ainda não aderiram à moda dos cogumelos. Na região há já alguns restaurantes a introduzir essa iguaria nos seus cardápios.

José Fonseca é natural de uma aldeia perto de Pêga e está à frente da Eurofunghi, com mais dois filhos. Foi guarda-florestal na zona fronteiriça e aí contactou pela primeira vez com o “negócio” dos cogumelos. «Já se comercializava muito para Espanha e conhecia muita gente que aqui vinha comprar», recorda José Fonseca, mas «nessa altura a região estava povoada de cogumelos», acrescenta. O primeiro passo foi dado com a reforma antecipada e daí até à criação da empresa foi um instante. Em 1974, apareceu a Beirafunghi, que mais tarde passou a chamar-se Eurofunghi. Naquele tempo, e ainda agora, a recolha selectiva de cogumelos silvestres era assumida maioritariamente por operadores espanhóis, que «procediam à aquisição junto das populações residentes em zonas que abundam os cogumelos frescos», conta o proprietário da empresa, que se constituiu em colaboração com empresários do ramo a laborar em Espanha. Numa primeira fase, «nós funcionávamos só como primeiro elo da cadeia, assumindo a aquisição e acondicionamento dos cogumelos, que eram recolhidos na região da beira interior», e posteriormente enviados para o país vizinho, com o intuito da sua transformação e comercialização. Mas, com a expansão dos mercados europeus «surgiram novos empresários do sector noutros países, como Itália», dá como exemplo. A partir dessa altura, a empresa aumentou o raio de acção nacional, com a instalação de outros pólos de recolha e aquisição de cogumelos, «adequados às exigências crescentes no volume de encomendas», sustenta o ex-guarda florestal. Por causa dos incêndios florestais e das condições climatéricas adversas, «tem vindo a diminuir o volume e a qualidade das campanhas no nosso país, há bastante ainda, mas não o suficiente para comercializar», explica José Fonseca. Por isso, há cerca de seis anos, a empresa instalou-se também na Roménia (Montes Carpatos da Transilvânia), que «tem óptimas condições climatéricas e muita floresta», justifica o proprietário. Aquela unidade no segundo ano de actividade foi reconhecida pelas entidades económicas locais, com a atribuição, «do segundo lugar no “ranking” das empresas de sucesso, instaladas e a laborar naquele país», conta com orgulho.

A Eurofunghi compra cogumelos do Alentejo a Trás-os-Montes, a diversos pontos de venda, e depois parte da matéria-prima é congelada ou seca. Nos últimos tempos, a empresa chega a atingir um volume de vendas de 200 a 300 toneladas por ano. A maioria dos cogumelos vão para Itália, França, Suíça, Holanda, sendo que «80 por cento dos produtos é absorvido pelo mercado espanhol», conclui. Mas, em Portugal ainda não existe mercado, «possivelmente por falta de conhecimento e por falta de poder de compra», atira. Porque esta verdadeira iguaria não é para todas as “bolsas”. Os preços variam conforme a sazonalidade, a qualidade e a quantidade. Por exemplo, os “boletus” (que são mais conhecidos na região por “cepas”) podem custar dez euros/quilo, depois há os “canthanellus”, que próximo do Natal, se vendem a 20 a 30 euros/quilo, porque são uma tradição da ceia francesa. Mas há outras variedades, como a Amantita (15 a 20 euros), Morchella conica congelada (20 a 25 euros) e seca que pode chegar a valer 300 euros/quilo. Ou os “boletus aereus” secos, que podem custar 40 euros se forem de 1ª qualidade. Depois há a Trufa, que é mais conhecida na Itália e também a mais cara, que pode custar 3 a 5 mil euros o quilo, «quando há muita», graceja o responsável.

Dicas e toxinas

Apesar de estar ligado ao mundo dos cogumelos há muitos anos José Fonseca confessa que «é muito difícil distinguir os bons dos tóxicos, às vezes têm diferenças mínimas». Por isso anda sempre com alguns guias micológicos atrás de si para o ajudar no seu dia-a-dia e sempre que há dúvidas não hesita em consultá-los, mas «há poucos livros sobre cogumelos em Portugal», queixa-se. Seja como for, «não se deve comer sem haver a certeza que não fazem mal», acautela. Depois de apanhados e limpos «os cogumelos devem ser fervidos de imediato, porque se tiverem algum grau tóxico a fervura poderá eliminar», dá como conselho, José Fonseca, que também não come qualquer um.

Os perigos inerentes à ingestão de cogumelos

Portugal, pelas características mediterrânicas dos seus bosques, é um dos países europeus com maiores recursos em cogumelos silvestres, mas é também um dos mais micofóbicos, ou seja, onde o medo de os comer é maior. Por isso, os portugueses comem cada vez menos cogumelos e as mortes por intoxicação têm vindo a diminuir. No entanto, este ano já chegou um caso muito grave ao Hospital Sousa Martins.

«Há dez anos atrás havia um número mais elevado de pessoas que chegavam às urgências por terem ingerido cogumelos tóxicos, mas hoje é mais diminuto», constata Adelaide Campos, directora do serviço de Urgências do Hospital Sousa Martins. No entanto, anualmente, «há sempre um ou dois casos graves, que por vezes levam à morte», adianta. E, este ano, «já apareceu um caso grave» no Hospital da Guarda, constata. Por outro lado, há sempre uma dezena de casos por ano que surgem com outras implicações menos graves, «como gastroenterite ou diarreias», dá como exemplo. Os míscaros e os tartulhos são os mais utilizados na região, e «também são os que têm mais potencial de complicações», avisa a médica, «por vezes até pode ter implicações nas crianças que, nesta altura gostam de andar à apanha», sublinha.

Iguarias à mesa da região

No restaurante “Casas do Bragal”, próximo da Guarda, (João Bragal) já começaram a introduzir os cogumelos silvestres nos seus pratos, há cerca de dois anos. «Mas, é difícil porque há poucas receitas na nossa gastronomia», queixam-se em uníssono os proprietários, o casal Manuela Cerca e Eugénio Alves. Depois de muitas experiências a ementa começa-se a compor e, durante este período de Outubro até Dezembro, já há muitos pratos com cogumelos na ementa. A refeição pode começar por um creme de cogumelos (com Boletus e Lactarius, entre outros), depois segue-se uma Degustação de cogumelos, (com oito tipo de cogumelos, que são confeccionados de diferentes formas). Mas há mais: cogumelos recheados e gratinados, migas de cogumelos, risoto de boletus ou massada de sanchas. E outros pratos, que foram «readaptados» à gastronomia tradicional portuguesa, como ensopado de borrego com “boletus” ou Trufas com coelho. «Temos que recriar as receitas», atira a proprietária, e no “buffet” está sempre disponível azeite trufado para regar qualquer prato. «A reacção tem sido muito boa», diz com orgulho, Manuela Cerca, que aproveita assim os produtos endógenos.

Outra sugestão é a Pousada Convento de Belmonte, que durante este mês, vai promover o Festival do Cogumelo, com a ajuda do Chefe Valdir Dudek Lubave. As ementas contemplam vários pratos, para entrada Capuccino de cogumelos com espuma de ervas aromáticas do jardim do convento a um Risoto de míscaros passando ao bacalhau fresco corado com guisado de cantharelus cibareos ou Escalopes de vitela de leite com creme de morquela esculenta. Para terminar fatias finas de ananás fresco com gelado de cepes e noz moscada e Licor de porcino ou aguardente de cogumelos do bosque e especiarias. E ainda, para os hóspedes da Pousada, o Chefe Valdir irá ensinar os segredos do cogumelo, através de sessões de formação da apanha, preparação e confecção.

Patrícia Correia

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