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O negócio do poder

A propósito da liberdade de imprensa, o problema voltam a ser as golden shares. Como se homens como Jorge Coelho, Ferreira do Amaral ou Armando Vara não tivessem sido escolhidos por accionistas.

Extraordinariamente, os empresários – Joaquim Oliveira, administradores da PT que não representam o Estado, administradores da Ongoing, administradores BCP – têm sido tratados quase como vítimas na história de que todos falam. Como vítimas dos apetites de Sócrates e que a eles teriam de ceder.

Poderia atalhar, recordando que a escolha de Armando Vara pelos accionistas do BCP foi isso mesmo: uma escolha. Uma entre muitas das que podemos encontrar em tantas empresas. Mas vou mais longe: bastava ler o último “Sol” para ficar claro que se trata de uma convergência de interesses e não apenas de uma “pressão”.

Se Joaquim Oliveira, Ongoing, BCP ou PT convergiram com os interesses dos homens de Sócrates era porque os primeiros tinham poder para oferecer aos segundos e os segundos poder para devolver através dos media aos primeiros. Na realidade, era de negócios que falavam: da venda e compra de poder.

Os simplistas dirão que sem a golden share da PT nada disto acontecia. Onde está a golden share na Ongoing, Controlinveste ou BCP? Foi alguma golden share que colocou Dias Loureiro no BPN? E Ferreira do Amaral na Lusponte? E Pina Moura na Prisa? E Jorge Coelho na Mota-Engil? E quem decidiu que era excelente tê-los lá? Não foram os accionistas? Os governos (e não propriamente o Estado) têm golden shares informais em quase todas as grandes empresas para que as grandes empresas possam ter uma goldan share em quase todos os governos. Mais uma vez, negócios.

Os mais líricos dirão que assim não seria se o Estado não tivesse a mesma presença na economia. Apresentem-me estes utópicos esse tal país imaginado. Esse país onde o poder da política e do dinheiro não se misturam, confluem e servem-se mutuamente através de empreitadas privadas pagas com dinheiros públicos e empreitadas políticas pagas com dinheiros privados. Às vezes, com os mesmos actores a saltitarem sem grande descrição de um território para o outro. Outras, com delegados de um e de outro lado no campo inverso, sem que qualquer golden share seja necessária.

O problema é bem mais profundo: a mercantilização de todos os domínios da nossa vida (saúde, educação, cultura, mobilidade, informação e, claro, política) e a prevalência do capitalismo financeiro sobre todas as actividades económicas exige esta promiscuidade e alimenta-se dela.

Se os que governam determinam as políticas que favorecem ou prejudicam os negócios (não há políticas neutras) e se a informação decide quem serão os que governam, seria estranho que os que governam e os que são donos do negócio da informação não tratassem do assunto por ajuste directo. E não transpusessem para os combates políticos os combates dos negócios e para os negócios os combates políticos. Afinal de contas, para quem joga com estas regras do jogo, são exactamente o mesmo combate.

Este tipo de políticos e estes homens de negócios querem apenas estar com quem os pode fazer ganhar. E, se for necessário e tiverem essa possibilidade, destruir quem os pode destruir. O controlo sobre a informação mediada, que retirámos, ao enfraquecer a sua autonomia, das mãos dos jornalistas, é hoje só mais um negócio: o negócio do poder.

Fartos de Jardim

Pedro Passos Coelho afrontou Alberto João Jardim. Deu assim voz à perplexidade que se sentia entre os militantes do PSD e de outros partidos em relação à Lei das Finanças Regionais. Não tivesse a irresponsabilidade do PS sido tanta na gestão desta crise e muito mais vozes dos outros partidos se teriam ouvido.

Táctica ou coragem, pouco interessa: este fim-de-semana, Pedro Passos Coelho ganhou pontos ao afrontar Alberto João Jardim. É ridículo que o segundo maior partido português continue refém de um tiranete local sem estatura política, intelectual ou moral para determinar as decisões de seja quem for.

Jardim ameaçou: “Enquanto eu andar na política e no PSD, você vai ter-me sempre à perna”. Passos Coelho respondeu: “Não tenho medo de si. Felizmente, a liberdade para fazer política no PSD não está dependente da sua vontade”. E, ao que parece, a reacção mereceu um entusiasmado aplauso na sala do Conselho Nacional. Talvez o PSD comece a compreender que os votos que Alberto João Jardim lhe dá não valem a credibilidade que lhe tira.

Acredito que o PSD não será o único partido onde a votação da Lei das Finanças Regionais causou incómodo. Do PCP ao CDS, passando pelo Bloco de Esquerda, ele fez-se sentir. Foi apenas suavizado pelos excessos socialistas. Tivesse o PS sido menos irresponsável na gestão desta crise, não enviando para o exterior sinais impensáveis para o momento em que vivemos e não levando a chantagem até ao ponto a que levou, e é provável que se tivessem ouvido muito mais vozes internas a cada partido a manifestar a perplexidade geral.

O país começa a ficar farto de Alberto João Jardim. Farto! E quem esteja atento no PSD já estará a dar por isso.

Por: Daniel Oliveira

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