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O Natal e a crise

Crónica Política

O anúncio da crise e os seus sinais são hoje um tema cada vez mais recorrente na vida de todos nós.

Uns porque já a sentem e outros porque a receiam e não sabem bem de que forma se lhes irá aplicar, pelo que o medo que a crise provoca é assim generalizado.

Sempre ouvi dizer que as sociedades modernas reagem às crises e ao que elas provocam nas pessoas como a avestruz, mergulhando o pescoço na areia e esperando que milagrosamente os seus efeitos passem.

É um pouco assim que a nossa sociedade tem reagido, dando a crise por aceite e continuando práticas que a vão agravando e de certa forma legitimando.

Cada um vai pois aceitando a crise dos outros com toda a naturalidade, convencido que a sua não lhe chegará.

Este comportamento individual torna-se ainda mais grave quando o mesmo se constata no plano colectivo, tanto nas dinâmicas sociais, como no plano político, aos seus mais variados níveis.

Assim, se a uns se exige trabalho, avaliação, responsabilidade e boa gestão dos recursos, a outros, aqueles que pensam que a crise lhes será alheia, pratica-se exactamente o contrário, numa atitude laxista e na convicção assumida de que o mundo é formado por nós e pelos outros.

Para melhor entendimento vale a pena dar alguns exemplos destes dois mundos:

Diz um deputado que a Assembleia da República não deve funcionar às sextas-feiras porque eles têm de ir para casa para estar com as famílias. E os outros não trabalham às sextas-feiras?

Diz o Governo que é necessário salvar um banco gestor de fortunas, porque há que salvaguardar a credibilidade do nosso sistema financeiro. E nos outros países não há bancos a falir?

Diz ainda o Governo que é preciso apertar o cinto, mas continuam a fazer projectos de obras megalómanas e de rentabilidade duvidosa, como o TGV, cujos custos terão que ser assumidos por várias gerações.

Apregoa-se a justiça social, a contenção e a moralização, mas continuam a existir gestores públicos com ordenados de cerca de quarenta vezes o salário mínimo nacional, como é o caso do governador do Banco de Portugal.

Gastam-se milhares dos contos na cultura e em subsídios, mas para a festa de Natal da autarquia os seus funcionários tiveram que pagar o jantar.

A lista de exemplos poderia continuar por muitas páginas mas não é esse o objectivo.

Este período natalício é sempre um momento muito rico, em que a nossa atenção se debruça mais sobre aspectos como a família, os amigos e o mundo, num misto de sentimentos e reflexões, por vezes nostálgicas, mas também de balanço, de avaliação pessoal e da realidade em que nos encontramos.

É neste contexto que o conceito de mudança se impõe com pertinência aos mais variados níveis, desde o pessoal ao colectivo.

O Natal, mesmo para quem não lhe atribui um significado religioso, apresenta-se assim como um bom referencial de enquadramento da mudança e dos princípios que a devem nortear.

Par lá de valores como o amor, a justiça e a solidariedade, ele traz-nos sobretudo a esperança de que a tal mudança é possível, se conseguirmos que o Natal seja todos os dias.

Um bom Natal.

Por: Álvaro Estêvão *

* Deputado municipal pelo CDS-PP

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