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O meu texto tem três nomes

Observatório de Ornitorrincos

No Congresso do CDS-PP decorrido este fim-de-semana foi eleito o líder sucessor de Paulo Portas, José Ribeiro e Castro. Como eleitor infiel deste partido (infiel porque cometi em algumas ocasiões adultério eleitoral com o PPM e o MPT), fiquei bastante satisfeito com a eleição do eurodeputado para presidente do CDS. Não por nenhuma incompatibilidade ideológica com Telmo Correia, de quem estaria provavelmente mais próximo, mas porque o CDS recupera assim uma característica importante para se assumir e consolidar na área política conservadora: um líder com dois apelidos.

É bem verdade que o último líder centrista (na altura o partido ainda não era “Popular”) a utilizar dois apelidos foi Freitas do Amaral e a personagem deu no que deu, mas há esperança de que esta seja finalmente a liderança de duplo apelido por que os conservadores portugueses aspiravam há já algum tempo, desde a morte da grande esperança que a composição onomástica Amaro da Costa representava para a direita portuguesa.

Uma das razões da dificuldade do CDS-PP fixar eleitorado na direita tradicional é com certeza a forte aposta do PSD em líderes com dois apelidos. Basta lembrar Sá Carneiro, Pinto Balsemão ou Mota Pinto. A surpresa causada por Cavaco Silva ter ganho o PSD em 1985 ao derrotar Salgueiro é compreendida hoje com muito maior facilidade se pensarmos na tradição dos nomes de duplo apelido existentes no partido. A única excepção pós-cavaquista foi Nogueira, com os maus resultados conhecidos. Depois disso, Rebelo de Sousa, Durão Barroso, Santana Lopes e Marques Mendes. Pelo contrário, o CDS teve Moreira, Monteiro e Portas. Lucas Pires, uma rara excepção a esta regra, acabou eurodeputado pelo PSD. A verdade é que a direita confia pouco em líderes que precisam do nome próprio para muleta do nome da família.

Neste início de um ciclo novo, a renovação da direita necessitava fundamentalmente de apelidos duplos. Os vice-presidentes da direcção de Ribeiro e Castro são Anacoreta Correia e Castro Coelho e o Secretário-geral é Borges de Freitas. No resto dos órgãos partidários há apelidos-compostos como Lobo Xavier, Mota Campos, Fernandes Thomaz, Girão Pereira ou Nogueira Pinto. Um partido assim vai decerto conquistar muitos votos na aristocracia nacional e bater-se de igual para igual com o Partido Social-Democrata de Marques Mendes.

A importância de usar dois dos apelidos do seu nome tem-se acentuado, criando um rol de figuras públicas a quem praticamente desconhecemos o nome próprio. Voltando ao exemplo de Cavaco Silva, suspeito que as três vitórias eleitorais se deveram ao desconhecimento que o povo tinha do seu nome de baptismo, Aníbal. Num Cavaco Silva muita gente vota, mas num Aníbal a probabilidade é menor. Como se viu, aliás, na eleição presidencial, mais personalizada, em que perdeu para um Jorge, mesmo que seja apenas Sampaio.

Se olharmos para a dicotomia esquerda-direita, facilmente reparamos que os Primeiros-Ministros socialistas só usam um apelido (Soares e Guterres) ou nenhum (Sócrates é segundo nome próprio) e os sociais-democratas são sempre conhecidos por dois (Mota Pinto, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Cavaco Silva, Durão Barroso e Santana Lopes). Nada disto sucede por acaso. Há aqui uma mundividência que separa dois continentes de convicções.

Nota: Não foi sem pensar muito bem nos significados da escolha dos apelidos que o autor destes textos decidiu assinar com dois apelidos, como é visível ao cimo da coluna. Por isso e porque o seu nome de família é também um nome próprio e se não usasse os dois apelidos parecia era não ter nenhum.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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