No mundo pós-cristão em que vivemos, a discussão sobre o mal tem um odor anacrónico, tal como a invocação do diabo. Hannah Arendt foi talvez quem mais chamou a atenção para o problema do mal, sublinhando a sua importância na compreensão dos regimes totalitários do século XX, nomeadamente o nazismo e o regime soviético. A “banalidade do mal” foi a expressão que utilizou ao analisar Eichmann e outros oficiais nazis, muitos deles bons pais, assalariados comuns, cumpridores maquinais de ordens, mas que, segundo Arendt, eram pessoas essencialmente estúpidas, vulgares, numa palavra, banais. A intuição de Arendt foi muito importante e reveladora. É claro que esta ideia continua a ser muito difícil de engolir por psicólogos, sociólogos e historiadores. O mal é do domínio da metafísica e não encaixa em modelos racionais. E, no entanto, o mal existe.
Desculpem lá estes preliminares, mas parecem-me apropriados para falar de um filme perturbante. Refiro-me a “We Need to Talk About Kevin” (“Temos de falar sobre Kevin”) que vi recentemente.
Alguém escreveu que «é o mais radical filme sobre educação que me lembro de ter visto». É desesperante assistir à impotência de uma mãe (uma soberba Tilda Swinton) para educar o filho, filho que desde o nascimento parece ter como única missão na terra infernizar-lhe a vida, enquanto o pai ternurento nunca chega a perceber o que se passa à sua volta.
Não são apresentadas explicações para a crescente monstruosidade de Kevin, que descamba numa cena de terror – felizmente, a realizadora tem o bom senso de nos poupar aos pormenores. A comunidade responsabiliza a mãe pela monstruosidade do filho, uma culpa que ela resignadamente carrega, sem nunca deixar de o amar incondicionalmente. O que falhou? Não sabemos. E é isso que perturba.
Há anos vi uma reportagem sobre um jovem americano que matou vários colegas do liceu. Percebemos que o jovem homicida era aparentemente como os outros, sem nenhum trauma especial. Às tantas, a mãe diz uma coisa terrível: «O meu filho sempre foi mau». Ficou-me registado o ar incrédulo e atrapalhado da jornalista que a entrevistava. Não contava com uma resposta daquelas, queria saber os porquês, e com certeza era mais uma vítima da crença rousseana do “bom selvagem”.
Recentemente, um jovem americano assassinou em Denver (Colorado), salvo erro, 13 pessoas num cinema. Uma vez mais, psicólogos e sociólogos sentem-se impotentes para explicar o sucedido. Não nos devemos espantar. O mal existe e o mundo está infestado de demónios.
Por: José Carlos Alexandre