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O Horror ao Ridículo

E se em vez de três reis magos fossem três rainhas magas? Assim que chegassem ao estábulo, em Belém, limpavam tudo, faziam uma sopa, tornavam-se úteis. Em vez de incenso e mirra trariam roupas, fraldas e biberons. E aproveitariam para alguma má língua: “Reparaste como estava tudo desarrumado?”, “Acreditaste naquela de ser virgem?”, “E o miúdo, repararam que não é nada parecido com o pai?”

Se eu contasse esta piada nos tempos da inquisição, estaria condenado à fogueira. Ainda hoje estarei sujeito a uma ecuménica reprovação, de preferência pacífica, já que a virgindade de Maria é dogma comum ao cristianismo e ao islão. A religião dá-se mal com o humor, talvez pela sua vulnerabilidade à caricatura. A literatura científica vai sendo actualizada ao longo dos tempos, incorporando novas descobertas e novas teorias, mas os textos sagrados ficaram parados na época em que foram escritos. O divórcio entre uns e outros é cada vez mais evidente, como são evidentes as contradições entre o Génesis e as descobertas da arqueologia ou os resultados da datação dos fósseis com carbono 14. Quanto maiores são essas contradições e quanto mais difícil é obrigar os fiéis a acreditar em histórias com milhares de anos, maior é a vulnerabilidade ao cepticismo e ao ridículo.

É verdade que houve religiões que se foram adaptando aos tempos, convertendo os factos das escrituras em metáforas, mas o que está escrito é aquilo mesmo e não outra coisa. Por isso, enquanto houver religiões e enquanto houver livros sagrados, haverá sempre quem os irá interpretar literalmente e se vai ofender com quem apontar o dedo às insuficiências dos textos. Há quem acredite que Maomé subiu aos céus num cavalo com cabeça humana, ou que existe um Deus especialmente preocupado com os hábitos sexuais dos beduínos, e está no seu direito. Já não é seu direito querer obrigar outros a acreditar no mesmo, e isto é já quase consensual, pelo menos entre pessoas civilizadas. O que não é consensual, por enquanto, é o direito reclamado pelo Charlie Hebdo e pelos ateus em geral de ironizar sobre essas crenças. Os fundamentalistas, os que lêem literalmente o Corão ou a Bíblia e que fecham o seu conhecimento do mundo em textos com milhares de anos, vão continuar a ter como única resposta a violência e não vão de certeza actualizar-se com conceitos como o da liberdade de expressão. Parece haver aqui um dilema insanável, mas desde pelo menos Giordano Bruno que o mundo tem evoluído ao arrepio da religião e não é agora o momento de parar.

Por: António Ferreira

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