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O homem emparedado

Houve um tempo em que a Guarda tinha uma oferta cultural de fazer inveja a cidades muito maiores. O epicentro dessa oferta era o TMG e o coordenador o Américo Rodrigues, lembram-se? Havia críticas, claro, havia quem dissesse que a programação era elitista e que o custo era exorbitante. Havia quem quisesse mais música pimba e menos jazz, e havia quem contasse as cadeiras vazias em espectáculos de música erudita e fizesse dessa mesquinha contabilidade argumento político.

O Américo Rodrigues acabou por ser uma das primeiras vítimas da nova maioria na autarquia, em triunfo de uma ignorância iletrada e burra, fechada na sua ignorância cognitiva e nos seus limitados e feios horizontes.

Depois de um período negro da sua vida, em que escreveu a peça a que pedi emprestado o título para esta crónica, o Américo foi enviado, em gesto de aparente magnanimidade, para a Biblioteca Municipal.

Poderiam tê-lo deixado aí em paz, como a junta militar argentina deixou Borges na Biblioteca de Buenos Aires, mas o Américo, para seu mal, não quis passar despercebido e decidiu trabalhar, fazendo agora da Biblioteca Municipal o novo epicentro da cultura da cidade. Não era isso que se pretendia, pelos vistos, e lá o temos de novo afastado, possivelmente para tarefas que lhe não dêem visibilidade ou, de uma vez por todas, o afastem de qualquer oportunidade de trabalho pela cultura.

Haverá quem encontre boas razões para tudo isto e não as exponha devidamente apenas porque não consegue alinhar duas frases (a ignorância tem um preço), ou porque não saiba fazer contas (gasta-se mais em festas e eventos irrelevantes do que se gastava na programação do TMG), mas há também, de certeza, muita gente no PSD que tem vergonha do que se está a passar e apenas fica calada porque tem medo.

Entretanto, o TMG tornou-se irrelevante e a Guarda está menos habitável e mais pobre. Um dia todos teremos vergonha destes tempos sombrios.

Por: António Ferreira

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